Mario de França Miranda
Não podemos negar que o cristão sente certa resistência em relacionar sua fé com o âmbito da política. Razão de peso para esta atitude provém, sem dúvida, da experiência negativa feita com políticos ao longo de sua vida, quando sucessivas decepções acabaram por destruir sua confiança na classe política.
Contudo, este argumento poderia também servir de estímulo, seja para uma maior consciência e militância política, seja mesmo para uma participação ativa neste campo, tornando-se um político profissional. Mas, pelo que vemos, não é isto que acontece. O que o presente não explica, o passado ilumina. De fato, na maior parte de nossa história a participação política dos católicos foi quase nula.
No tempo da monarquia havia a união da Coroa com a Igreja, com apoio mútuo e com vantagens para ambas as partes. Tudo era realizado no nível de cúpula entre as autoridades civis e religiosas. O mesmo se dava no interior da Igreja. O católico apenas ouvia e obedecia ao que lhe ordenava a hierarquia. O católico não tinha, como cidadão, nenhum peso na área política, e, como católico, nenhuma voz na área religiosa, sendo representado pelas instituições citadas.
Com o advento da República, a Igreja ganhou liberdade religiosa, mas se revelou frágil em sua instituição e com pouca influência na sociedade. A religiosidade popular da maioria do povo carecia de uma evangelização séria e escapava ao controle da hierarquia, às voltas com a crônica carência de sacerdotes. Mas não se pode atribuir somente à Igreja o déficit político dos católicos. Pois a grande maioria da população não possuía uma formação suficiente para entender e conseqüentemente participar da atividade política. No tempo da monarquia, tal participação era desencorajada e, na republica, a nação esteve nas mãos de grupos com poder, militares ou civis, que não estimulavam muito a formação de uma consciência de cidadania.
Só mais recentemente as classes populares receberam atenção e ajuda por parte dos detentores do poder. Considerando nossa história passada, podemos afirmar, de modo geral, que no Brasil a sociedade não teve participação nos destinos do país. Faltou-lhe consciência de cidadania, formação autônoma de grupos civis e populares, movimentos e estruturas de mobilização e participação política e, ainda hoje, partidos políticos com objetivos bem definidos.
Igreja e Política
O Concílio Vaticano II, em sua Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo de Hoje (Gaudium et Spes), recomenda aos católicos uma participação ativa no campo político. Pois, como pessoas livres e responsáveis, devem influir na formação da sociedade onde vivem, sendo o voto não só um direito, mas um dever, em vista da promoção do bem comum. Na mesma linha, o Concílio pede a formação civil e política de todos, especialmente da juventude, para que não fiquem prisioneiros de interesses próprios (GS 75). O Concílio demonstra estima e respeito pela atividade política. Considera-a um autêntico serviço, termo denso no vocabulário cristão.
Convida mesmo os que têm as qualidades requeridas que exerçam a arte política, esqueçam seus interesses próprios, lutem contra a injustiça e a opressão (GS 75). Diante dos acontecimentos envolvendo a vida política em nosso país, diante da decepção amarga sofrida por todos os que desejavam um país com menos desigualdades sociais, diante de um sonho que se transformou num pesadelo por nos roubar a esperança, as palavras do Concílio Vaticano II parecem inoportunas e irrealistas. Estamos certos ou, como católicos, deveríamos ter outra reação? Pois nem tudo é para ser lamentado na história do nosso país e, sobretudo, na ação social da Igreja.
Dispomos de um episcopado que, na linha de Medellín, Puebla e Santo Domingo, soube tirar as conseqüências da mensagem cristã para a vida da sociedade humana. Os pronunciamentos da CNBB foram iluminadores e corajosos, mesmo no tempo da ditadura militar, sendo fonte de inspiração para episcopados de outros países. Esta tomada de posição foi seguida por iniciativas em favor das classes mais pobres e sofridas, que tornavam realidade a Doutrina Social da Igreja e a opção preferencial da Igreja Latino-americana pelos pobres.
Aí estão as Campanhas da Fraternidade, as Comissões Justiça e Paz, as Escolas de Fé e Política, as Comunidades Eclesiais de Base, as Semanas Sociais. Aí está a perseverante denúncia das violações dos direitos humanos, das políticas neoliberais, das desiguais repartições de recursos, da corrupção dos responsáveis, atraindo ataques contra a Igreja por parte de grupos sociais mais poderosos.
O Dever de participar
Os frutos de tal ação são ainda insuficientes porque somos uma democracia frágil, na qual a maioria da população não apresenta um nível de educação para ser agente consciente na construção da sociedade. Além disso, a complexidade de um país-continente dificulta um conhecimento básico dos problemas e a participação no debate público. Os enormes distritos eleitorais tornam inviável um razoável conhecimento dos candidatos, favorecendo a demagogia e a força onipotente da mídia para resolver eleições. Deste modo, são guindadas ao poder pessoas ineptas que apenas buscam se enriquecer com tráfico de influência e desvio de recursos públicos.
Esta situação não nos deve desanimar. Pelo contrário. Vivemos numa sociedade democrática que se constrói a si mesma ao longo dos anos, através da participação consciente e efetiva de seus cidadãos. Portanto, quem não participa, se omite; quem se omite, permite que esta construção fique à mercê de interesses e de grupos particulares que não buscam o bem comum, causando os malefícios que hoje experimentamos. Mas julgo também que a Igreja deva oferecer um espaço de liberdade aos leigos católicos para que possam se expressar, debater entre si e permitir que uma questão amadureça antes de ser objeto de atenção da hierarquia.
Mesmo que haja certo pluralismo de opiniões, o que é natural na sociedade atual. Deve-se insistir também na dimensão social da fé cristã. Hoje podemos ser dominados por um “individualismo religioso”, de cunho fortemente emotivo, que reduz a vivência da fé ao âmbito das relações pessoais. A formação teológica do laicato já deslancha felizmente em nosso país. Ela deveria ser seguida de uma formação política para todas as classes sociais, especialmente para as mais capacitadas a influir nas urgentes e necessárias transformações sociais. Oxalá desempenhem os católicos um papel significativo nas próximas eleições!