Padre Beto
No galho de uma árvore um passarinho construiu seu ninho e colocou seus ovos. Quando estavam todos os ovos postos, o pequeno pássaro, com grande desespero, percebeu a presença de uma cobra que vinha em direção ao seu ninho. Voando em ziguezague, sem saber o que fazer, o passarinho já via sua esperança destruída. Um macaco percebendo a situação gritou ao pequeno pássaro: “Não se preocupe, eu vou afastar a cobra atirando pedras!” Imediatamente o passarinho respondeu: “Não faça isso, com as pedras você pode atingir o ninho e destruir os ovos!” Um elefante estando por perto viu o desespero do pequeno pássaro e veio em direção à árvore. “Eu vou balançar esta árvore com minha trompa”, disse o elefante, “e fazer a cobra cair!” O passarinho pediu ao elefante: “Não faça isso, ao balançar a árvore os ovos irão, com certeza, cair ao chão!” Foi então que o passarinho teve uma grande idéia. Se os grandes da floresta não podem me ajudar os menores com certeza poderão. O pequeno pássaro voou então para um formigueiro e explicou sua situação às formigas. Imediatamente a árvore encheu-se de formigas que se amontoaram por cima da cobra. Esta entrou em desespero, caiu ao chão e, sem outra alternativa, fugiu para longe deixando os ovos do pequeno ninho se desenvolverem para a vida. O pequeno pássaro pode, então, cantar novamente.
A paz, como a felicidade, sempre foi um objetivo do ser humano. Não é por menos que desde a Antigüidade, as palavras “Shalom”, “eirene” ou “pax” sempre foram formas de saudação cordial entre os amigos. No ocidente, por exemplo, os cristãos desejam-se mutuamente nas celebrações religiosas “a paz de Cristo” e no momento da morte de alguém, é praticamente inevitável ouvir a expressão “descansou em paz” (requiescat in pace). Se a paz como objetivo é algo inquestionável, o mesmo não podemos afirmar de sua compreensão. Muitos buscam a paz, mas poucos conhecem realmente seu significado. Em primeiro lugar, devemos compreender que a paz, como a felicidade, deve envolver todas as dimensões de nossa vida. A paz de consciência, a paz individual e familiar, a paz entre grupos e nações, a paz espiritual e social não podem existir separadamente. A paz pode não ser eterna, mas ela possui, com certeza, uma clara exigência: o domínio total de todo espaço que envolve o ser humano. Assim, a paz de consciência está intimamente ligada à paz familiar que não se desvincula da paz social. Uma sociedade marcada pela criminalidade, corrupção e violação dos direitos humanos é, com certeza, uma sociedade marcada por uma crise da instituição “família” e formada de indivíduos que vivem com freqüência a falta de paz interior ou o tão conhecido “peso na consciência”. Outro aspecto importante para compreender o significado da palavra "paz" é a sua dimensão ética. É fundamental entender que paz não é uma situação alcançada simplesmente por uma via religiosa ou espiritual, mas basicamente ética. Afinal, a Paz é uma condição interior e social, na qual a vida é possível e pode livremente se desenvolver. Meditação e oração ajudam, mas a paz é construída essencialmente através de uma ação política e social. Como dizia Rosseau, “a melhor maneira de pedir a Deus é tornarmo-nos merecedores do que desejamos”. Um ótimo exemplo para entendermos a relação entre ética e paz é a nossa própria sociedade. A situação de violência, a qual a sociedade brasileira há muito tempo suporta, possui suas raízes na má distribuição de renda, nas péssimas condições de moradia de grande parte da população, na má qualidade do sistema de saúde oferecido pelo Estado e principalmente na impossibilidade de acesso à educação e cultura por grande parte da população. Com a perda do imaginário, do estudo, da cultura, da leitura ou do contato com as artes surge a insensibilidade que conduz o ser humano a um processo de brutalização. A base de toda esta estrutura que gera violência em nosso país é basicamente uma falha de relação ética: o desinteresse pelo Outro. Assim, construir a paz não significa simplesmente evitar violência, mas principalmente aumentar o nosso compromisso político e a nossa solidariedade como também manifestar com mais clareza a nossa insatisfação diante do descaso em relação ao bem comum. “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto” (Ruy Barbosa).