segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

O EXÍLIO DE PAOLO

Maria Clara Lucchetti Bingemer,
professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio *


          Amar radicalmente, amar até o fim tem um preço que, às vezes, é alto. Assim foi com os grandes amantes da história – Romeu e Julieta, Tristão e Isolda – que precisaram morrer para poder estar juntos, já que na vida tal não lhes foi permitido. Assim foi com Jesus de Nazaré e outros muitos mártires que tomaram sobre si as consequências do mal que se insurgia sobre seu desejo de amar.

          Assim foi com Charles de Foucauld, pioneiro da presença cristã no coração do Islam e que sofreu morte violenta diante da casa pobre e despojada onde morava. Assim foi com Christian de Chergé, brilhante monge trapista do mosteiro de Notre Dame de l’Atlas em Thibirine, Argélia. Fluente em árabe, língua na qual constantemente rezava; conhecedor profundo do Alcorão; fundador de um grupo de diálogo islamo-cristão, foi levado do mosteiro com toda a sua comunidade e decapitado em circunstâncias até hoje não esclarecidas.

          Assim está sendo com o jesuíta italiano Paolo dall’Oglio. Aos 55 anos , esse ardente e ativo padre, após haver reconstruído praticamente sozinho o mosteiro de Deir Mar Musa, situado a 30 quilômetros de Damasco, capital da Síria, é a cabeça de uma comunidade mista de cristãos e muçulmanos, homens e mulheres, religiosos e leigos que vivem e praticam 24 horas por dia a convivência e o diálogo inter-religioso.

          O mosteiro onde vive e trabalha o Pe. Dall’Oglio é um dos últimos resquícios de uma fé que tende a desaparecer naquela região. Quando os monges construíram o mosteiro original, no sexto século, ali se encontrava o centro geográfico do mundo cristão. Hoje, os cristãos são minoria e muitos se sentem amedrontados com os conflitos que ali têm lugar.

          Desde que o jesuíta italiano ali se estabeleceu, o mosteiro atrai milhares de visitantes por ano, muitos deles muçulmanos que buscam aquele lugar de paz para rezar. O padre também trabalha com líderes muçulmanos locais em projetos educativos e ambientais e organiza congressos de teologia. Seu desejo, segundo ele, é ser uma voz positiva em meio ao coletivo grito de angústia no qual está mergulhado o Oriente Médio.

          Paolo dall’Oglio nunca pretendeu deter a sabedoria universal e a razão correta sobre tudo. Ao contrário, considera-se um caminhante, um peregrino, que junto com os outros, busca a Deus. Agora, este homem que deu trinta anos de sua vida por esse projeto de reconciliação e paz se vê expulso do país que tanto ama. A razão seria o apoio por ele dado à revolução na Síria.

           Evidentemente, a versão do Padre é diferente desta. Com sua sensibilidade fina e original, ele desejava, acima de tudo, continuar "acreditando na possibilidade de uma reconciliação nacional" e convidava a todos que conseguia alcançar com sua voz a fazer " a escolha da não violência".

          Sem ressentimento ou rancor por sua expulsão, Paolo dall’Oglio declara: "Se eu estiver na Itália em algumas semanas será por um milagre, ou porque fui expulso. Mas eu quero dizer que, se me expulsarem, paciência. O que importa é que a guerra civil não ecloda na Síria. Apesar do grande sofrimento das vítimas da violência destas semanas, continua sendo verdade que a Síria só pode mudar gradualmente, desencadeando ao mesmo tempo um processo de reconciliação nacional, no quadro de uma dinâmica de pacificação regional, que poderá resultar na emergência de uma verdadeira sociedade civil.”

          Quem teme esse homem que só deseja contribuir para a construção da paz? O que terá feito para que seja considerado indesejado, “persona non grata”, a tal ponto que um governo decrete sua expulsão do país por ele tão amado e pelo qual tem dado o melhor de sua vida?

          Paolo dall’Oglio sempre soube que amar custa caro. Dói. Faz chorar. Mas vale a pena. Na esteira de seus predecessores, crê que o que hoje sofre pode contribuir para que Cristianismo e Islam se aproximem mais, convivam mais, dialoguem mais.

          A construção da paz é algo trabalhoso e lento. E por isso é elevada ao nível de bem aventurança por parte de Jesus no Evangelho. Bem aventurados os que constroem a paz porque serão chamados filhos de Deus. O Pe. Paolo dall’Oglio certamente consta no rol destes que se dedicam a semear a paz neste mundo atravessado de violência e intolerância


*Maria Clara Bingemer é autora de "Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros.


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