por
J. A. Horta da Silva
Contra tudo o que se possa imaginar, o envelhecimento tem algumas vantagens. Uma das relevâncias do envelhecimento está ligada não só ao esquecimento de factos tormentosos, mas também à capacidade de indulgência que os velhos revelam perante os cicios, os mexericos e as amizades fraudulentas, tudo aquilo e tudo isto relativo a episódios carunchosos de ontem e de hoje, muito embora alguns acontecimentos do passado possam sulcar a memória de modo indelével. De qualquer modo, o envelhecimento alimenta o divórcio entre o espaço e o tempo, dando origem a uma espécie de vazio sem lugar, sem data, sem hora, sem pretérito e sem futuro.
As sociedades ditas evoluídas estão de regresso ao passado, acentuando, cada vez mais, a fractura entre ricos e pobres, à medida que a classe média se vai delindo sob a pressão dos extremos, nos quais se perfilam os que percebem gigantescos ordenados e os que aceitam, na concha da mão, os parcos provimentos que auferem e ainda por aqueles que encetam jogadas de prestidigitação inerentes à fuga aos impostos e os que declaram ao cêntimo os rendimentos auferidos. A usura e a ostentação não são de agora, mas é de agora a dureza da política ultraliberal.
Em algumas partes da África, do Médio Oriente, das Américas, da Ásia e até da Europa, abusa-se da irracionalidade. Para além dos ódios étnicos que, de forma primitiva, se deixam exacerbar, a adolescência é roubada à educação para fazer de uma criança um crápula, um cabra, um terrorista, todos eles inundados de gozo por lhe ser dada a oportunidade de poderem brincar com a morte dos outros, com a própria vida e também com os bens que não lhe pertencem. A cenofobia não abona a favor da sensatez, razão pela qual existe um enorme défice acerca da percepção do bem universal, que redunda não só em actividades bélicas, mas também em golpes de colarinho branco.
Portugal acaba de entrar num novo ciclo de vida, norteado, segundo nos dizem, para o desafogo financeiro, depois de uma série de governos que olharam, em demasia, para o curto prazo, obcecados pela manutenção do poder. Poder-se-á argumentar que se trata, num sentido lato, de um dos males menores das democracias ocidentais, mesmo quando se apregoa o bem comum. Não sei se as privatizações impostas pela troika são um mal necessário ou mesmo indispensável. Admito que sim e, por isso, vale a pena seguir, com atenção, o rumo que as mesmas vão tomar. No entanto, a avaliar pelo que está a acontecer com o Banco Português de Negócios, fica no ar uma neblina que limita a visibilidade e coloca o país no estado de alerta. Aliás, já afirmámos em crónica anterior, que privatizar com a corda no pescoço é um erro. Ninguém consegue vender bem, quando sente o incómodo do laço. Parece óbvio que temos de alienar património do Estado, mas não deixa de ser verdade que a amostra do BPN, agravada pela recusa relativamente a um inquérito parlamentar, deixa no ar um traço de impureza.
Há uns bons anos atrás, quando iam avaliar fazenda, os antiquários usavam dizer que, antes da oferta, era necessário queimar o negócio. Não faço a mínima ideia acerca da existência ou não existência de legislação destinada a reger os processos de alienação de bens do Estado. Para as empreitadas de obras públicas, existe legislação, e o Tribunal de Contas tem feito importantes reparos que, infelizmente, parecem cair em saco roto.
Depois do alarido provocado com a venda do BPN, é preciso cuidar do futuro, tanto mais que o número e valores previsíveis relativos às privatizações posicionadas no horizonte merecem a melhor das atenções. Face ao facilitismo que parece andar no ar, fico com receio de ter de acelerar o envelhecimento para esquecer a dor.