domingo, 3 de abril de 2011

As Convulsões no Mundo Árabe


         
                                                        
                    Que Futuro?

                          por
                   
             
              J. A. Horta da Silva 
              horta.silva@sapo.pt



Segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros dePortugal, a actual situação nos países árabes é a mais grave desde a segunda guerra mundial. O ministro Luís Amado assegurou que o gabinete de crise da Secretaria de Estado das Comunidades tem um plano de contingência para assegurar o regresso de portugueses e considerou ser necessário proceder a mudanças de estratégia da Europa relativamente ao mundo muçulmano. Durante muitos anos, a Europa esteve «excessivamente preocupada com a fronteira Leste» e descuidou-se em relação aos países vizinhos do Norte de África.

Contudo, os problemas não se confinam às revoltas na Tunísia, Egipto e Líbia. Cortam transversalmente a zona africana do Mediterrâneo, descem ao Sudão, penetram no médio oriente e espalham-se pela Ásia. Para quem não nasceu no deserto, muito dificilmente sobrevirá, sem apoio, à imensidão dos vales secos, das escarpas rochosas e dos mares de areia, a menos que saiba vestir a pele e a consciência dos povos árabes, aceitando, também, alguns ensinamentos do Corão. A vida no deserto é comandada por uma ordem específica, que exige um enorme sacrifício. É a imagem nua do Tempo, crispada pela torreira do Sol, pela frialdade da noite e pela desidratação. Os anos, os séculos e os milénios passaram pelos desertos alheios ao homem e, durante todo esse período, até a areia se deixou arredondar pela tirania do vento. Não obstante, os árabes criaram importantes civilizações, algumas das quais permanecem inumadas na aridez da paisagem. Todavia, a Natureza usa, ocasionalmente, caminhos transviados para compensar aqueles que nasceram em ambientes naturais hostis. E, por debaixo das implacáveis escarpas, dos vales secos e dos espessos mares de dunas, a Natureza prendou os povos dos desertos, com inúmeras e riquíssimas jazidas de petróleo e de gás natural.

O reconhecimento do petróleo, como matéria-prima estratégica, começou a desenhar-se no séc. XIX, numa altura em que grande parte do mundo árabe se encontrava anexado por impérios e regimes coloniais nomeadamente da Inglaterra, França, Itália, Espanha, Rússia e Turquia. O Azerbaijão foi o maior produtor de petróleo no século XIX e, na viragem para o séc. XX, a sua produção era mais de metade da produção mundial. Nos Estados Unidos, o primeiro poço produtivo foi perfurado em Agosto de 1859 e a data passou a ser comemorativa do nascimento da moderna indústria petrolífera. A importância do petróleo nunca mais parou e as duas primeiras guerras mundiais traçaram o destino da História Universal e, obviamente, do mundo árabe. É durante a primeira guerra mundial que surge a figura de Lawrence da Arábia que, não obstante ser um excêntrico tenente dos serviços secretos britânicos, cria a consciencialização da existência de uma causa árabe, não só norteada para combater o Império Otomano, aliado da Alemanha, mas também imbuída de ideias políticas ligadas a compensações pós-conflito que, no entanto, não se materializaram. Mas depois da segunda guerra mundial, tudo mudou e não mais foi possível parar o aparecimento de movimentos nacionalistas sob a influência hegemónica dos Estados Unidos e da União Soviética. A independência dos países Árabes tornou-se uma realidade, a Europa deixou que a NATO a substituísse fora do Atlântico Norte e os jogos político-económicos, por motivos do petróleo e do gás natural, nunca mais deixaram de marcar a agenda dos múltiplos interesses espalhados pelo globo, ora dando as mãos a regimes tiranos, ora incitando ou criando guerras locais, que contribuíram para desestabilizar o mundo árabe e para o florescimento do fundamentalismo islâmico, facto que se agravou depois de a Guerra Fria terminar. O comportamento dos grandes grupos económicos e da bolsa também têm a sua quota-parte de responsabilidade, sobretudo pela indiferença e frieza que revelam pelo valor da condição humana.

O que a Natureza criou, com tanto cuidado, para benefício dos povos nascidos no deserto, foi desviado de um modo impensável para outros interesses e, por esta inquestionável razão, chegámos ao estado em que nos encontramos. A ganância tem limites, o decoro foi ignorado e o futuro comprometido!


Coimbra, 8 de Março de 2011