segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

VAGANDO E DIVAGANDO: uma percepção



Jacinta Dantas
jacintadantas@bol.com.br


Olho e vejo alguém vagando pela vida: um ser que desafia a realidade, ignora o tempo e afeta as pessoas. Com seu jeito sem jeito, sem obrigações, sem horário, sem lugar, (mas que ocupa muito espaço), incita sentimentos de raiva, pena, medo e... compaixão. Do poder do Estado, parece intuir a existência da repressão. Em seus "ensaios" para o confronto, não se intimida: enfrenta a polícia, exigindo continência, e, em posição de sentido, berra:

_olhe a minha patente
eu sou coronel
Toma juízo soldado

Tendo a rua como endereço, ele incomoda, pois expõe, sem pudor, a face que ninguém quer enxergar diante do espelho. Por não ser dono de si, sobra-lhe liberdade e tempo para perambular pelas ruas, sentar-se nas pedras, brincar, xingar, gritar, e, passar o tempo sem saber em qual tempo ele passa. Do tempo cronológico nem faz idéia, passa horas olhando pro nada que dá pra lugar algum, e, garante, com entusiasmo, que está numa grande festa, recebendo amigos famosos, ou numa grande batalha, comandando os soldados.

– FOGO, FOGO, FOGO, descansarrrrrr

Passa o tempo e o tempo passa, prá mim e pro Zé. Tenho consciência do meu tempo interior, e sei que ele existe, independente de mim e da minha vontade; e, independente da vaga vida do Zé, o tempo é como é. Simplesmente existe, antes e depois. A certeza da finalização coloca-me em constante “conflito” frente ao desejo de realização de meus projetos. A convivência com alguém que vivencia a experiência de finitude e mantém a vontade, os sonhos e projetos, aflora, em mim, uma confusão de sentimentos e aspirações.

Na tênue distância que se estabelece entre mim e o Zé, vislumbro a possibilidade de que, talvez por aí, pelo desejo de realizações, se consiga fugir da realidade temporal e fazer o próprio tempo, pois a vida continua seu curso, seu percurso, mesmo na dicotomia entre vida e morte, realidade e fantasia. De novo, volto pro Zé: divagando, retorno ao tempo, penso em liberdade, e vejo que, por ser "livre" , o Zé continua na sua festa e na sua guerra.

Comando dado, comando obedecido? Qual nada. Por vezes a liberdade do Zé lhe custa caro. Gritos de horror, resistência, insistência...e o limite se impõe na vaga vida do Zé. Passa um tempo “sumido” da rua, e nesse tempo, ninguém reclama a sua falta. Mas , quando o Zé volta, volta com ele a desorganização de sentimentos, a rua fica cheia e o tempo fecha.

Depois de 15 dias internado, ele volta ao seu (não) lugar, contando que passara 06 meses num cruzeiro, com direito a show com Roberto. É... o Zé continua lá fora, ou aqui dentro, sobrevivendo na rua, percebendo o tempo do seu jeito. E, o tempo passa, o sol se põe, a chuva cai, o rio faz o seu percurso, o mar o recebe, os pássaros cantam, as crianças brincam, e com distinta percepção, o Zé continua vagando e eu, divagando sobre o tempo e a liberdade.


Obs: Imagem da autora.