J. A. Horta da Silva
Por ser um país periférico empoleirado numa História nem sempre bem contada, Portugal continua a viver agarrado à esperança, que é qualquer coisa imaterial que hiberna nos múltiplos aneurismas dos becos da nossa existência. Há muito que o país sobrevive, nos momentos cruéis dos ciclos político-sociais, com a ajuda das brisas do mar e da montanha quando o Sol queima, e do vento de sudoeste quando a Terra gela. Por estas singularidades, Portugal continua envolto em fases de hibernação, durante as quais a realidade vai cavando o fosso entre ricos e pobres, por força da progressiva extinção da classe média. Os actos eleitorais deviam ser momentos de reflexão e de incentivo à construção de um futuro melhor, mas o povo está cansado de votar sem retorno de benefício, facto que mostra o descrédito da classe política.
Uma vez mais, vivemos o acto eleitoral para eleger o Presidente da República, figura do topo da hierarquia do Estado, demasiado decorativa em termos do regime constitucional em vigor, salvo circunstâncias especiais, como seja a situação de guerra. Por força da limitação dos seus poderes, o PR exerce, quanto muito, um magistério de influência relativamente à governação. No actual regime, os Presidentes da República foram sempre reeleitos, mostrando todos eles posturas diferentes, em relação ao modo de actuar no primeiro e no segundo mandatos, circunstância que decorre da fragilidade dos seus poderes.
No quadro constitucional em vigor, o General Eanes foi o mais interventivo Presidente da República, mas não um presidente isento. Recorreu a governos de iniciativa presidencial e, por força da inerente ineficácia, ajudou a criar o partido PRD, que cindiu o então PS e ajudou a ascensão do PSD e de Cavaco Silva ao poder executivo. Mário Soares foi, no seu primeiro mandato, um Presidente colaborante com os governos de Cavaco mas, amarrado às limitações dos poderes presidenciais usou, no segundo mandato, as Presidências Abertas para mostrar as fragilidades da governação e ficou satisfeito com o desaparecimento do PRD e o retorno do PS ao poder pela mão de António Guterres. Jorge Sampaio, o presidente mais emotivo que tivemos, apoiou, tanto quanto possível, as minorias parlamentares de Guterres, muito embora houvesse, entre ambos, visões de conceito e de estratégia diferentes, sendo de destacar a célebre declaração pública «há vida para além do défice». Contudo, no seu segundo mandato, dissolveu à Assembleia da República durante a vigência do governo de Santana Lopes, suportado por uma maioria parlamentar (PSD-CDS), muito embora fossem tempos de trapalhadas, algumas das quais ainda por esclarecer.
Seguindo a esteira dos antecessores, Cavaco Silva foi reeleito para um segundo mandato na primeira volta das eleições. Admiração seria não ter atingido este objectivo, muito embora denotasse nervosismo, face a sondagens que não excluíam, probabilisticamente, a hipótese de uma segunda volta. A campanha teve episódios ásperos, não obstante a bonomia das intervenções de Fernando Nobre, personalidade muito mais dada ao auxílio a catástrofes humanas do que a disputas políticas. A política é do foro de personalidades que mostram ter um certo grau de precedência predatória. Manuel Alegre, depois de preparar, com antecipação, a sua candidatura, balançando entre o PS e o BE, tirou a prova real relativamente ao juízo político que os portugueses fazem dele. A qualidade da escrita que sabe produzir não foi transportada para a campanha eleitoral, em termos de oratória. Além de mau orador, foi parco em ideias.
O futuro dir-nos-á se Cavaco irá plagiar a actuação dos seus antecessores. Para mim, fica registada a asserção: «é preciso falar verdade aos portugueses». Anoto-a com agrado, não só pelo facto de eu já ter escrito a mesma frase, em artigo de opinião publicado no D. C., mas também pela circunstância de o PR reconhecer, finalmente, que os políticos nem sempre falam verdade ao país. O enorme valor da abstenção (53,4%), mais (6,2%) de votos brancos e nulos num caderno eleitoral de 9.629.630 eleitores, levam-me de retorno à obra de José Saramago intitulada o “Ensaio Sob a Lucidez”, acontecimento que suscita inquietude. Por outro lado, as votações alcançadas em todo o país por Fernando Nobre (14,1%), que não teve apoios políticos nem máquina eleitoral, e por José Manuel Coelho, (39,1%) dos votantes da ilha da Madeira, reforçam a indispensabilidade de uma cuidada reflexão.