terça-feira, 22 de junho de 2010


O Darwinismo, O Neoliberalismo

     e

      A Crise Portuguesa
                                                            por

                J. A. Horta da Silva



 Ex-Director do INETI (Coimbra)
Escritor (horta.silva@sapo.pt)



Estagnação económica, défice de contas públicas, ineficiência de rendimentos na riqueza nacional, cortes orçamentais, aumento de impostos, pressão mercantil desordenada e procura desesperada de parceiros comerciais são sintomas proeminentes da crise que ameaça a Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda, crise que põe em causa não só a sustentabilidade destes países, mas também o projecto da União Europeia tido como uma congregação de estados ditos sociais. O Banco Central já anunciou novas subidas das taxas de juros de referência e teme-se o fim da moderação salarial. Perante uma recuperação económica envergonhada, risco de deflação e uma taxa de desemprego acima dos oito por cento, a União Europeia, num sentido lato, e Portugal, num sentido específico, vivem dias difíceis. Há quem diga que os culpados não são os especuladores bolsistas, mas sim os perdulários Estados Sociais europeus! Será verdade?

Charles Darwin é uma figura incontornável da história da ciência. Por motivos da teoria “Origem das Espécies” Darwin estarreceu a sociedade do seu tempo, quando pôs em causa o Criacionismo que fazia parte dos cânones expressos no Génesis. Desde então, ficou a saber-se que, no reino da vida, morriam os mais fracos e os menos aptos e sobreviviam os mais fortes e mais capazes, que evoluíam para espécies superiores graças a ditames de natureza genética, ligados ao processo de reprodução sexuada. Por esta razão, a sociedade humana acabou por ter de aceitar, com relutância, que a ascendência do homem pudesse conter seres de aspecto simiesco e feições prognatas, dados que buliam com preceitos de “O Velho Testamento”, muito em particular no que se refere à existência do Éden, de Adão e de Eva. O salto do Darwinismo para o Neodarwinismo está alicerçado no espantoso progresso da genética, da bioquímica e da biologia molecular que, conjuntamente com a paleontologia e a antropologia, têm vindo a resolver lenta, mas de modo seguro, as lacunas existentes na linha evolutiva que permitiu chegar ao Homo sapiens sapiens.

Infelizmente, o mal é uma criação da mente humana. O bem, que é o fruto supremo da escassez do mal, não é uma característica da espécie humana, mas um carácter tipicamente animalesco. Segundo Aldous Huxley, «o bem só se manifesta no plano animal e no plano da eternidade». O plano humano está pejado de inveja, de intriga, de perversidade, de crueldade e de morte perpetrada conscientemente. Aliás, o Homo sapiens sapiens é a única espécie animal que, por recurso à razão, tem percepção das eventuais consequências dos actos que tenciona praticar. Não obstante, o homem não resistiu à crueldade de criar o Darwinismo Social, doutrina que vai muito além das ideias de Malthus, que previa a possibilidade de algumas sociedades humanas poderem estar em risco por escassez de alimentos. Para lá da relação homem-natureza, a análise da evolução social tem de ter em atenção aspectos que não fazem parte nem do darwinismo nem do neodarwinismo (exemplos: ética e direito) mas também tem de ter em conta as atrocidades cometidas pelo homem contra o homem, onde se perfilam: xenofobia, racismo, escravatura, exclusão social e religiosa, homicídio, guerras e genocídios. Por isso, as sociedades humanas regem-se por leis próprias, que deviam controlar e castigar o abuso do poder, não obstante o desejo de domínio sobre os outros remontar à pré-história. Da lista das barbaridades humanas isenta-se, no entanto, o desaparecimento do Homo sapiens neanderthalensis que se deveu, segundo se supõe, a uma excessiva especialização que o impediu de resistir às grandes glaciações.

Face ao exposto, a questão que se coloca aos portugueses é: «como vamos resolver o problema da dívida pública?» Portugal é, inequivocamente, um país mal governado e o drama não é de agora. António Guterres, quando viu a dimensão do pântano, abandonou o barco e outro tanto sucedeu com Durão Barroso, pouco tempo depois. Não interessa esgaravatar o passado à procura da virgindade, mas é por demasiado evidente que Saúde, Segurança Social, Ensino, Justiça e outros ministérios ligados ao défice das contas públicas gastam mais do que produzem. Portanto, existe um problema intrínseco e transversal à sociedade portuguesa que tem a ver com falta de estratégia, falta de organização e falta de produtividade dos serviços, enfermidades que, de algum modo, também estão ligadas à esfera da economia privada que é o motor real da sociedade. Se a nossa economia arrancasse, a questão da dívida pública não se tornava tão visível. O que fazer? Num país envelhecido, vamos deixar morrer os doentes e os velhos, da mesma maneira que podemos deixar morrer as árvores que não dão fruto ou vamos obrigá-los a ter seguros de saúde e de assistência? Vamos cortar os subsídios de desemprego, vamos colocar quotas rígidas de acesso ao ensino superior e canalizar compulsivamente os alunos menos classificados para o ensino profissional? Vamos fechar cursos universitários e departamentos não rendíveis e despedir professores? Pode uma sociedade moderna fluir de modo adequado, com uma justiça ancilosada e uma polícia de segurança pública deficiente? Para tristeza minha, o Neoliberalismo volta a terreiro e, por igual razão, volta também a terreiro o Darwinismo Social. Será mesmo verdade que os culpados não são os especuladores bolsistas, mas sim os perdulários Estados Sociais europeus?