Djanira Silva
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A tristeza estraga-lhe a vida, gera na boca palavras amargas. Não quer perdoar. De mal consigo mesma, briga com o mundo.
Pensa em mudar sempre que o tempo muda. Fica na promessa. Assim todos os dias. A dor apura as angústias. Não consegue se curar da solidão e nem da vida.
Contaram-lhe muitas histórias. A primeira da sua chegada ao mundo. A mãe na pobreza e no desengano. O pai, no meio do mundo. Fazendo o que? Ninguém sabia.
A menina acreditou na história inventada pelos outros. À noite, repetia como se fosse uma oração. Queria acreditar. Repetiu, repetia, até que um dia misturou começo meio e fim.
Numa manhã bem cedinho, a mãe ordenou:
- Vá brincar no quintal.
Subiu na goiabeira. Dali descobriu outro mundo, um mundo sem dono e sem gente, que ia além dos limites dos olhos. Viu o céu mais de perto. Aprendeu a conhecer as nuvens de chuva, descobriu onde o sol se escondia. Tinha pena das pessoas grandes, preocupadas, esquecidas de viver, presas de uma vida que começava na sala e terminava na cozinha.
Então, soube, ali começava a vida. Sentiu-se nascida naquele momento, parida pelo sol em cima da goiabeira, no meio do quintal.
Um dia, ouviu a história da carochinha: “água, meus netinhos, azeite senhora vó”.
Não, sua avó não era igual àquela. Sua avó sabia das coisas, falava pouco. O pai falava pouco e não sabia de nada. A mãe, só escutava. Às vezes ficava triste sem dizer por quê.
Na hora de tomar banho, a menina chorava para não deixar o quintal. À noite ele ficava escuro e triste e ela dormia com o pensamento nos pintinhos embaixo da asa da mãe, no galo brigão tomando conta das galinhas empoleiradas, na torneira quebrada pingando água.
E as lagartixas, será que andavam à noite?
Com o último pensamento, adormecia.
Obs: Texto retirado do livro da autora – A Morte Cega