Frei Edilson Rocha,ofm
(rochaedilson@yahoo.com.br)
Manaus, 28/04/2010
Quando entrei para o seminário menor, minha turma do primeiro ano ginasial, como se chamava naquela época a segunda fase do ensino fundamental, contava com quarenta e cinco garotos, com idade entre 11 e 15 anos de idade. As quatro turmas do ginásio do Seminário São Pio X, naquele início de ano, somavam uns cento e vinte a cento e quarenta estudantes nas faixas etárias entre os onze e os dezenove anos.
Uma das preocupações dos frades franciscanos que na época dirigiam o seminário e acompanhavam aquelas turmas ainda relativamente numerosas de rapazes, era justamente as despesas para a manutenção de tanta gente, que precisava ser educada e alimentada num dos tempos decisivos de suas vidas: tempo da adolescência, de crescimento físico, espiritual e intelectual. Certamente era mais fácil lidar com aquelas gerações juvenis de quase quarenta anos atrás do que das mesmas faixas etárias de hoje, sem comparação.
Entre as enormes diferenças dos jovens de hoje em relação àqueles do passado lembradas acima, estão as mudanças nos padrões de consumo. Provavelmente as gerações jovens atuais são muito mais exigentes e custam muito mais caro do que os jovens do passado. Isso pode parecer uma afirmação do óbvio, pois de lá para cá não só se criaram novas necessidades nas quais nem sequer se podia pensar na época, como também o padrão de vida da população mudou bastante, embora que não tão radicalmente. A pobreza de grande parte da população continua, mas as gerações das últimas décadas foram tendo acesso, progressivamente, a muitos confortos e facilidades com o que os jovens de três ou quatro décadas atrás não podiam sonhar nem de longe. O contexto global atual, incluindo toda a população, em todos os continentes, tem tido acesso a muitas benesses da sociedade tecnológica, mas isso com um custo altíssimo em termos ambientais e de exaustão dos recursos naturais do planeta. Se a tendência atual de implantação dos padrões de consumo das sociedades capitalistas ocidentais continua sem mudanças de rota, já se prevê um colapso ambiental que pode significar até o fim da civilização atual.
Voltando para os tempos do “ginásio”, recordando as preocupações dos frades com as despesas do Seminário, lembro que numa das primeiras conferências com a minha turma, o nosso padre assistente (encarregado de acompanhar o grupo) nos ensinou qual era o tamanho de um pedaço de papel higiênico necessário para cada vez que algum de nós fosse ao sanitário. Ensinou inclusive como dobrar o pedaço de papel, nos tamanhos adequados para não desperdiçar papel, bem como para não entupir os vasos com rolos inteiros de papel. Imaginem a quantidade de papel necessária para tanta gente, numa casa tão grande, sendo que ali residiam os mais de cem rapazes, uma comunidade de cerca de dez ou doze frades, uma professora, uma comunidade de religiosas com três a quatro irmãs, os funcionários, professores, etc. E os estudantes contribuíam com uma mensalidade que variava de acordo com as possibilidades da família. Meu pai pagava uma mensalidade mínima e, muitas vezes, atrasava alguns meses, por ser funcionário civil do Exército e às vezes passar meses sem receber seu salário. Certamente o bispo D. Tiago Ryan conseguia muitos recursos dos Estados Unidos, de benfeitores que ajudavam a sustentar o Seminário.
Uma outra recordação de caráter “econômico” é que naqueles anos de seminário foram trocadas todas as luminárias da casa, das salas de aula especialmente, substituindo as lâmpadas incandescentes por fluorescentes. Objetivo: economizar energia. Numa casa daquelas dimensões, a conta de energia certamente não era pequena. Fomos inclusive orientados para sempre apagar as luzes ao deixar as salas de aulas, caso ninguém as fosse utilizar no período dos próximos trinta minutos. Valia tudo para ficar menos caros para a manutenção da casa e a garotada observava razoavelmente estas orientações, criando responsabilidade coletiva e uma consciência comprometida com a economia. Isso significava que as pessoas mudavam suas atitudes em função de economizar na manutenção da casa, assumindo como suas as preocupações e responsabilidades de quem administrava a casa. Coisa semelhante acontecia com o uso da água. Na época, o terreno dos fundos da casa era contornado por um igarapé de águas límpidas, claras, frias, porque corria por entre as árvores do igapó ao longo do seu leito. Os meninos eram incentivados a utilizar o igarapé para seus numerosos banhos ao longo do dia. Isso significava uma economia enorme de água dos depósitos do seminários, que assim ficavam reservadas para a cozinha e para outras necessidades dos habitantes mais idosos da casa. Hoje isso seria impossível por causa da deterioração ambiental e a destruição quase completa do ecossistema do Igarapé do Irurá, que se transformou num lamaçal assoreado e completamente poluído.
Hoje percebo uma falta de consciência das pessoas, jovens e mais velhas também, quanto ao valor econômico de suas atitudes, seja para ganhar, seja para gastar. Atitudes simples, que vão desde o apagar as luzes, ventiladores, aparelhos eletrônicos, até outras mais complexas, como uso de produtos químicos sem critério, detergentes, sabões e outros produtos de limpeza pesada que são comprovadamente danosos à saúde humana e ao meio ambiente e que elevam muito os custos da nossa vida. O desperdício faz parte do nosso cotidiano e quanto mais a gente pode, mais a gente desperdiça, sem nenhum escrúpulo. Não nos interessa para onde vai o lixo que produzimos e quais os efeitos e impactos que ele causa no meio ambiente. Não nos importa para onde vai a água suja, contaminada com os resíduos químicos de nossas lavagens e com tantas outras coisas que adicionamos aos nossos hábitos cotidianos de limpeza, que perfumam nossos ambientes artificialmente ao custo de lançar nas águas, na terra e no ar, elementos poluentes que terão efeitos destruidores a longo prazo. O que importa é o nosso conforto e as novas necessidades inventadas para isso se tornam indispensáveis e irrenunciáveis – talvez até um “direito humano”, a que todos têm que ter acesso para que seu nível de “desenvolvimento humano”, medido pelos padrões ocidentais da ONU, atinja patamares aceitáveis pela sociedade do consumo. Uma vida simples, com o mínimo necessário para se viver bem, torna-se algo inaceitável, porque o padrão é o consumismo. O que vale é nivelar o modo de vida de todos em base ao padrão da sociedade de consumo, confundindo desenvolvimento humano com a possibilidade de consumir tudo o que a sociedade atual oferece, mesmo que sejam necessidades artificiais. Podíamos nos perguntar sobre quais produtos que hoje compramos e utilizamos são realmente necessários e quais poderíamos dispensar porque podemos viver perfeitamente satisfeitos sem eles. O que de fato necessitamos e o que poderíamos considerar como supérfluo? Mas talvez as nossas questões têm que incluir muitos outros elementos, que vão bem além de nossas necessidades e desejos individuais, inventados ou reais. Podemos nos perguntar, por exemplo, pelos impactos de nossos hábitos de consumo atuais sobre a natureza e sobre nós mesmos. Podemos nos perguntar pela nossa responsabilidade ecológica, com o presente e com o futuro da terra e da humanidade. O que posso fazer hoje para não deixar um herança coletiva maldita para as futuras gerações? Como viver responsavelmente hoje para não contribuir na exaustão dos recursos naturais necessários para a continuidade da vida sobre a terra?
As perguntas acima são muito pertinentes porque a nossa civilização atual vive como se não houvesse o amanhã. A impressão geral é que, do modo como vivemos hoje, somos a última geração de humanos e que, portanto, temos que aproveitar o resto para viver o mais confortavelmente possível. Não importam os que vêm depois de nós. Neste sentido, nossa geração atual parece ter chegado ao cúmulo do egoísmo e do egocentrismo. Tudo em função do eu atual, não importando os outros e os futuros. Nesta concepção da vida não há lugar para a simplicidade, para austeridade, para alguma renúncia ao bem-estar, para sobriedade. Os custos de cada atitude será cada vez mais alto e isso pouco importa.
Numa de minhas últimas viagens de avião, outra coisa que tem altos custos ambientais, em janeiro deste ano, impressionou-me muito a leitura de um artigo na revista “Mundo Corporativo”. Certamente uma publicação voltada para o público empresarial. O tal artigo fazia uma análise da tendência atual, sobretudo nas gerações mais jovens, de se viver o imediato, o momento presente, desfrutando de tudo como se não houvesse o amanhã. O autor do artigo chamava esta tendência de “nowism”, termo inglês que poderia ser traduzido como “agorismo”. Interessante que o autor não estava preocupado com as conseqüências desta mentalidade e deste modo de vida, mas tentava indicar possibilidades de exploração desta tendência com oferta de produtos que respondam às expectativas das fatias da população, cada vez mais numerosas, que vivem assim. Quer dizer, para o mercado não existe nenhuma preocupação ética com as conseqüências desastrosas desta mentalidade para o meio ambiente (ecologia humana e ecologia ambiental). Não seria necessário o engajamento de todos os setores da sociedade, sobretudo dos que fazem e manipulam a opinião pública numa ética ecológica, ao invés simplesmente de estimular e aproveitar estas tendências para lucrar mais? Infelizmente, cada vez mais pessoas hoje vão embarcando nesta tendência, também nós que nos achamos lúcidos e conscientes, de viver o lema do cartão visa: “porque a vida é agora”. O materialismo da nossa civilização, depois de matar o espírito humano, vai matar o planeta, se é que não já o está matando.
Todas as nossas atitudes têm um custo econômico, mas tem gente que é infinitamente mais cara, mais dispendiosa e predadora, econômica e ecologicamente irresponsável. Onde é que você se encontra nesta história?