terça-feira, 29 de novembro de 2011

OS TERMOS DIVERSOS E CRIADOS

Vladimir Souza Carvalho *


          Aconteceu em União dos Palmares, em visita de correição, absorvido pelas serras que cercam o centro urbano, ter ouvido da garçonete, no restaurante que almoçava, a título de sobremesa, referência ao doce de leite pastoso. Aparentemente nada de anormal, a não ser a terminologia, que é diferente da que aprendi em Sergipe e lá vigora até hoje: doce de leite batido. Os dois, no prato e no sabor, se igualam. Só o final do nome difere, como resultado de um país continental, onde, mesmos nos estados lindeiros, a terminologia, para idêntica coisa, é totalmente diferente.

         Como exemplo maior, vivi, em meio a uma sessão do Pleno, quando o irrequieto des. Marcelo Navarro, das bandas do Rio do Grande do Norte, em cinco minutos de pesquisa, ouvindo um e outro membro do tribunal, composto de representantes de cada Estado integrante de sua jurisdição, captou os nomes utilizados para o toco ou ponta de cigarro já fumado, numa variedade de deixar Aurélio Buarque de Holanda de cabelos arrepiados.

          Do colhido: bagana no Ceará e no Piauí; piúba, no Rio Grande do Norte; piola, na Paraíba; góia, em Pernambuco; tóia, em Alagoas; baga, na Bahia; guimba, no Rio de Janeiro, e, enfim, biana, em Sergipe. Só por aí se colhe um exemplo significativo da variedade de termos que cada Estado apresenta para a ponta do cigarro já fumado. Alguns destes, e sou o pesquisador de dicionário [Michaelis], como bagana, biana e guimba, encontram significado similar. Já tóia e góia, não aparecem ainda no dicionário consultado; piúba é pau de jangada, no Rio Grande do Norte; piola é barbante, corda, cordão e guita, sem apontar o Estado; baga apresenta outro significado. Ou seja, no dicionário, nem todos os termos se direcionam para as expressões colhidas na pesquisa do des. Marcelo Navarro, o que, aliás, é bem natural, pela impossibilidade de qualquer dicionarista de arrebanhar, em as camadas sociais, estado por estado, o significado de todos os termos, em geral.

          Bom. De tudo, a riqueza da língua, a adotar novos termos, como ouvi, no edifício onde moro, a expressão gaieira, atribuída a uma serviçal que só vive na garagem, de short curto, a conversar, animadamente, com os vigilantes e motoristas. O sentido de gaieira: mulher que coloca ponta no marido. Não me moveu a iniciativa de verificar no dicionário, por já me manifestar contente em ler em Voltaire, outro dia, o significado de ponta, a desemborcar naquilo que comumente se denomina de gaia, que, afinal, embora signifique galha, é pronunciado como gaia mesmo.

          Meu filho mais novo, Pedro, de sete anos, emérito criador de palavras derivadas, ao brincar com Cristiane, de descobrir a palavra correta, arrebatou uma extraordinária vitória, ao inserir, como palavra buscada, o termo jiboíuda, que os dicionários consultados não trazem. Quem sabe se não estamos diante de um novo Guimarães Rosa?


Publicado no Diario de Pernambuco