3ª Parte – Islândia
por
J. A. Horta da Silva
Ex-Director do INETI (Coimbra)
(horta.silva@sapo.pt
A saga do desmoronamento da União Europeia parece ter vindo para ficar. Há muito que se diz que depois da Grécia seguir-se-ão Portugal, Espanha e Itália e também países do Atlântico Norte, nomeadamente Bélgica, tudo aquilo e tudo isto sob a intranquilidade do eixo Franco-Alemão e o olhar sumido dos países do norte e do leste da UE, enquanto o Reino Unido se mantém afastado, satisfeito por ter preservado a libra, mas não aliviado por força das dificuldades na manutenção do estado social e dos problemas que advêm da crise económico-financeira dos Estados Unidos da América, seu histórico parceiro. Tal como havíamos afirmado, a Grécia não tem gárgula por onde escoar e, certamente, sairá do euro, enquanto Merkel e Sarkozy parecem um casal imerso num divórcio litigioso, pelo que se adivinha uma crise sistémica na UE de dimensões imprevisíveis. Os beligerantes que deram origem às duas guerras mundiais estão de novo de candeias às avessas, tanto mais que a França perdeu a folga que tinha para respirar e o futuro da Alemanha está suspenso num horizonte de crescimento económico que não chega a 1%.
Os bancos nadam num rebuço de gestão nem sempre feita com o comedimento e a probidade indispensável à legitimidade do sucesso, como aconteceu com o BPN e, por esta inelutável razão, nada nos garante que algumas instituições bancárias não estejam imersas em angústias. Assim aconteceu na Islândia, terra onde o gelo acasala com o magma dos vulcões activos, dando origem a fenómenos que, só por si, roubam paz à vida.
Segundo Robert Wade, professor da London School of Economics, a maioria dos bancos islandeses era propriedade do Estado, que adoptava uma política restritiva no âmbito do crédito. Devido à pressão capitalista, a banca islandesa começou a privatizar-se a partir de 2000 e adoptou uma estratégia neoliberal conectada com os partidos do poder. A elite islandesa deu a mão à oportunidade de fazer negócios e estendeu as suas operações à banca de investimento. Esta estratégia permitiu que as empresas e indivíduos começassem a pedir empréstimos avultados. A maior parte do dinheiro provinha da União Europeia. Os especuladores contraíam suprimentos na Zona Euro, a juros baixos, e emprestavam aos bancos, às empresas e aos indivíduos islandeses a juros altos. A afluência de capital estrangeiro foi enorme e gerou um crescimento fictício. Proclamou-se o milagre económico islandês, como sendo o primeiro país do mundo a ser gerido com fundos de alto risco, denominado "bicicleta financeira" que acabou por desaguar numa enorme crise em 2008. Esta crise envolveu inicialmente três dos seus principais bancos: o Glitnir, o Landsbanki e o Kaupthing. A bolsa de Reykjavik suspendeu os negócios, e quando voltou a abrir verificou-se uma queda de 76% que abriu a porta ao cenário de falência. O governo recorreu ao FMI e tentou encontrar apoio na Rússia que não resultou. O colapso da banca, a que estavam ligados investimentos de alto risco e de qualidade duvidosa, trouxe descrédito internacional e o espectro da bancarrota adquiriu relevo, quando a Islândia deixou de honrar os compromissos financeiros com o não pagamento de salários à função pública. Milhares de pessoas vieram para a rua, insultaram o governo e o FMI e pediram a pena de prisão para os responsáveis. A moeda desvalorizou e a inflação disparou. A solução encontrada foi deixar cair os bancos que estavam insolventes. A Islândia continua a recuperar de um pesadelo, perseguindo agora um caminho mais ajuizado.
Embora mais complexa do que a crise da Islândia, a crise portuguesa tem também uma componente bancária importante. A nossa banca emprestou demais, o crédito mal parado é demasiado grande e os bancos não estão vocacionados para administrar bens penhorados. Não obstante a diferença de escala, a actual dívida soberana islandesa deve rondar metade da actual dívida portuguesa. Irá o governo português intervir nos bancos portugueses debilitados. A experiência com o Banco Português de Negócios, ocorrida no tempo de Sócrates, foi uma desgraça.
(Continua)