domingo, 30 de outubro de 2011

PROJEÇÃO E REFLEXÃO V


Maria Inez do Espírito Santo

Olhar para Fora e Olhar para Dentro


Continuando a reflexão sobre a possibilidade de reconstrução, lembrei-me do excelente filme “A Vida dos Outros”, ainda em cartaz, no Rio.

Súbito me veio a conecção entre as personagens dos dois filmes: a menina de “Desejo e Reparação” e o policial de “A Vida dos Outros”. Nos dois, o voyerismo os faz cativos. Nos dois, a possibilidade de destruição do outro. E, com isso evidentemente, nos dois, o risco da própria destruição.

A diferença entre as duas situações se estabelece exatamente porque o policial, a um determinado momento, escolhe libertar o invejado e libertar-se a si próprio do poder destrutivo da inveja que sente. Optando pelo melhor aspecto da admiração, ao invés de destruir, ele se desconstrói e, a partir dali, consegue se reconstruir, livre internamente, ainda que submetido a pressões externas.

Nos dois filmes aparece o fato de haver um livro que narra o passado.

Em “A Vida dos Outros” o autor do livro reconhece publicamente, através de um agradecimento em dedicatória simples, mas decisiva, na edição que publica, a grandeza do homem que optou por salvar-lhe a vida, abrindo mão de ser uma farsa poderosa, para tornar-se, no anonimato, um verdadeiro ser humano.

Em “Desejo e Reparação” o voyerismo da menina a aprisiona de tal forma que a impede de se descolar do objeto de admiração (a irmã), levando-a a precisar destruí-lo e a destruir-se também, conseqüentemente, aprisionada que se mantém. Até porque a menina é tão somente a ponta do iceberg de um grupo familiar adoecido, que vive uma vida de simulacro, numa aristocracia decadente, pretensamente liberal, mas hipócrita, falsamente moralista e preconceituosa.

Voltando à questão de se a literatura pode vir a ser um instrumento de reparação, “A Vida dos Outros” me leva a confirmar minha opinião de que não é de reparação que se trata. Naquele filme, o que o autor do livro narra é a verdadeira história, sem precisar inventar um final menos cruel, que garanta a ilusão de felicidade a qualquer dos envolvidos no drama ocorrido. E ele o faz, possivelmente como tentativa de reconstrução de valores, após um tempo em que, a destruição real do muro de Berlim, significou a própria desconstrução de uma Alemanha esquizofrênica, e o início de um caminho de construção de uma nova identidade nacional.