por
J. A. Horta da Silva
Ex-Director do INETI (Coimbra)
(horta.silva@sapo.pt
Os recentes motins de Londres impressionaram o mundo, deixando atrás de si uma asserção catastrofista que, em sentido figurado, parece ter tido reflexo na mente de um sobrevivente da “Batalha de Inglaterra” ocorrida na 2ª Guerra Mundial. Trata-se, obviamente, de uma analogia forçada; contudo, no juízo magoado de quem sofreu os contínuos, maciços e demolidores bombardeamentos nocturnos a Londres, mandados executar por Hitler, pode perdurar para todo o sempre, um fantasma traumático. É preciso reconhecer que os motins de Londres, iniciados em 4 de Agosto, atingiram grandes proporções, espalhando-se por vários bairros londrinos para trepar até Birmingham, Liverpool e Manchester e, descer, até Bristol. Tem-se feito muita especulação acerca destes motins, esquecidos que estão os grandes motins em Paris, há cerca de meia dúzia de anos, estes tipicamente de cariz social com substrato racial.
Ao tempo do Maio de 1968, que se justapõe a levantamentos sociais ocorridos nos dois principais países derrotados na 2ª Guerra Mundial (Alemanha e Itália) estudava eu no Imperial College, em Londres. Em Paris, os universitários uniram-se aos operários e promoveram a maior greve geral da Europa, na qual participaram cerca de 9 milhões de pessoas, graças ao apoio de partidos políticos de esquerda. Não obstante a repercussão dos acontecimentos ter atingido países tão distantes como o Japão, o México e o Brasil, em Londres, o eco do Maio de 68 subordinou-se a uma ordeira passeata, evento transmitido em directo pela televisão e acompanhado pela polícia a pé e a cavalo, a partir de Trafalgar Square.
Fica para os especialistas na matéria, decidir se os motins, ora ocorridos no Reino Unido, têm raízes em motivações de natureza social e política ou se são, exclusivamente, uma acção de hooliganismo, que se estendeu em cadeia, graças à facilidade com que os jovens, de hoje, manipulam as tecnologias da informação que lhe são oferecidas via telemóvel, computadores e internet. Fala-se também em negligência e/ou passividade das forças policiais, que enfrentaram os factos sem recurso a armamento e demais equipamento dissuasor. O não armamento da polícia britânica tem sido, desde sempre, tema controverso, aproveitado pela literatura policial, pelo cinema e também pelos debates televisivos, alguns dos quais protagonizados pelo célebre jornalista, escritor e entrevistador britânico David Frost.
Dois dos melhores debates televisivos que vi, puseram frente a frente:
a) Frost e o ex-membro do partido conservador britânico, Enoch Powell, a propósito do discurso “Rivers of Blood”, no qual Enoch abordava os problemas do Reino Unido, inerentes à imigração oriunda de países da Commonwealth;
b) Frost e o ex-presidente americano Richard Nixon, a propósito do “Watergate Scandal”.
Relativamente ao primeiro frente-a-frente, transcrevo a resposta de Powell, quando lhe foi posta a pergunta se era racista. «Depende da forma como define o termo racista. Se quer dizer ser-se consciente das diferenças entre homens e nações, e a partir daí raças, então todos nós somos racistas. Todavia, se pretende dizer um homem que despreza um ser humano por motivo de ele pertencer a outra raça ou a um homem que acredita que uma raça é intrinsecamente superior a outra, então a minha resposta é enfaticamente “não”».
Porém, a experiência conta muita. E, por experiência própria, sei da dificuldade que tive para arranjar acomodação em Londres, quando, em 1968, pretendi viver lado a lado com ingleses, por exemplo em condomínio. Ao tempo, procurava eu alojamento em Londres para um casal com uma criança de três anos. Desesperado pelos insucessos, troquei num banco uma libra e meia em moedas para o telefone e fui para uma cabine pública com vários jornais exibindo a página dos anúncios. Disquei, sequencialmente, os números dos telefones exibidos e, uma hora e pouco depois, saí extenuado sem saber o que fazer. Ninguém aceitava um casal com um bebé, mas pior do que isto foi ter ouvido, por diversas vezes, vozes com sotaque tipicamente londrino, certamente equivocadas com a resposta de Enoch a Frost, terminar o telefonema dizendo asperamente: “no pets, no dogs, no children”.
Ignorante que baste, naquele tempo eu pensava que os ingleses adoravam cães.