Maria Lioza de Araújo Correia
Estive recentemente no Maranhão, com uma amiga, numa viagem missionária, para ministrar uma formação sobre música litúrgica, na cidade de Cândido Mendes, situada no extremo norte do Estado do Maranhão e já integrando a região Amazônica.
Éramos duas companheiras da caminhada litúrgica, sendo a amiga a quem me refiro, além de liturgista, também teóloga e missionária das comunidades de base da paróquia de Casa Forte, em Recife, onde exercemos nosso trabalho pastoral. Quando nos propusemos a realizar a missão na cidade de Cândido Mendes, não tínhamos noção da distância e das condições de viagem que iríamos enfrentar.
Viajamos de avião ao fim da tarde do dia primeiro de agosto até São Luis, onde pernoitamos, a fim de, logo ao amanhecer do dia dois de agosto, um micro ônibus viesse nos apanhar no seminário diocesano, onde dormimos, para nos conduzir ao ferry boat que atravessa um braço de mar, transportando muitos veículos pequenos, médios e grandes, além de centenas de passagerios que se acomodam na parte superior da referida embarcação. No trecho marítimo a partir do embarcadouro em São Luis, a viagem foi pitoresca e muito agradável, estando o mar tranquilo e sem grandes ondas que pudessem amedrontar alguns passagerios medrosos como eu.
Feita essa travessia que teve a duração de uma hora e meia, começando aproximadamente às 8:00hs e terminando por volta das 9:30hs, haja vista que esse tipo de transporte não prima pela pontualidade ao horário estebelecido, aí é que começou propriamente a viagem até a cidade de Cândido Mendes, quando já na outra margem, o micro ônibus retomou os passageiros e partiu numa longa viagem por terra, parte em rodovia estadual e parte em estrada de barro, que durou por volta de oito horas, chegando nós em Cândido
Mendes, mais ou menos às 17:30hs do dia dois de agosto de 2011.
Esse percurso foi uma verdadeira odisseia, não evidentemente no sentido poético da obra de Homero ao narrar as aventuras da viagem de volta de Ulisses, após a tomada de Troia, mas guardando as devidas e minimizadas proporções, não deixou de ser para nós uma grande aventura, no sentido de enfrentarmos o desconhecido com todos os percalços de horários, tempo de viagem, atrasos, desconforto, estradas danificadas e perigosas, enfim, todo o desgaste de uma longa viagem realizada nas condições precárias em que se encontram as estradas no interior do Brasil, e especificamente do Maranhão.
Entretanto, como fomos em missão, essas dificuldades foram enfrentadas sem maiores traumas, tendo em vista o objetivo que nos moveu até Cândido Mendes, de levar aos irmãos daquelas longínquas comunidades um pouco de formação litúrgica sobre a celebração do Mistério Pascal de Jesus (a Missa), especialmente com relação à música e aos cantos litúrgicos que acompanham os ritos celebrativos, bem como sobre o Ofício Divino das Comunidades, que é a oração da Igreja, centralizada em Jesus Cristo e no seu Mistério Pascal.
Assim é que, tendo sua origem e estrutura na própria Liturgia das Horas, o Ofício Divino das Comunidades foi elaborado pela Igreja do Brasil, com o apoio e aprovação da CNBB, após o Concílio Vaticano II, para que o povo inculto e simples tivesse acesso à Palavra de Deus, através das leituras bíblicas e dos salmos, sendo por isso, uma forma de oração cujos fundamentos bíblicos, teológicos e litúrgicos constituem-se em elementos de uma verdadeira evangelização pedagógica e acessível às comunidades que não dispõem de padres, e que necessitam da Palavra de Deus para manterem a fé e a união com a Igreja, sendo o Ofício, ao mesmo tempo, uma oração enraizada na vida e na cultura do povo, daí originando-se o seu nome de Ofício Divino das Comunidades.
Chegando ao nosso destino, fomos recebidas pelo padre Cosmo, pároco da cidade de Cândido Mendes, que nos acolheu e nos fez cientes do seu trabalho naquela paróquia e bem assim, das dificuldades enfrentadas para atender as comunidades distantes, até sete horas de viagem da séde paroquial, estando a própria cidade de Cândido Mendes situada a 300km da diocese de Zé Doca, à qual pertence. Na paróquia já se encontravam além das comunidades locais, várias outras, algumas vindas por terra e outras por mar, visto que a cidade de Cândido Mendes está localizada numa região litorânea com ilhotas, e rios que enchem com a maré alta e esvaziam quando a maré baixa.
Encantei-me com o verde e com as águas do Maranhão, que afluem através dos inúmeros igarapés, formando pequenas lagoas no meio do verde da vegetação e das palmeiras de buritis, babaçus e açaís, que inspiraram o poeta Gonçalves Dias a versejar sobre as belezas naturais de sua terra: "Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá. As aves que aqui gorgeiam, não gorgeiam como lá!. ... Em cismar, sozinho, à noite, mais prazer encontro eu lá. Minha Terra tem palmeiras, onde canta o sabiá! "
Todavia, além, das belezas naturais, o Maranhão possui outra grande riqueza que é o seu povo, simples, alegre, acolhedor. Percebi isso logo que cheguei e no dia seguinte, ao iniciarmos os trabalhos com a oração da manhã pelo Ofício Divino das Comunidades, pudemos ver como aquela assembleia de quase sessenta pessoas, era atenta a tudo e principalmente, como cantava e rezava com a voz e o coração. Também, chamou-me a atenção a facilidade com que aprendiam os cantos. Bastava ouvirem uma vez e já os entoavam corretamente.
Outro aspecto que merece destaque é a disponibilidade demonstrada pelas pessoas participantes da formação, algumas vindas de longe, tendo viajado sete horas de barco para atender o convite do pároco e receber os ensinamentos a fim de repassá-los e vivenciá-los com suas comunidades. Vislumbramos aí, o reflexo do trabalho pastoral e do empenho do pároco com a evangelização de seus paroquianos, como convém a um verdadeiro pastor com seu rebanho espiritual.
Ficamos em Cândido Mendes ministrando a formação sobre liturgia, apenas dois dias, tendo em vista que deveríamos enfrentar a longa viagem de volta, o que significava mais um dia na estrada até São Luis, para pegarmos o vôo de volta a Recife. Felizmente, o Pe. Cosmo consegui nos trazer de carro até São Luiz, proporcionando-nos um retorno mais confortável e sem os atrasos do micro ônibus.
Para nós a missão de liturgia em Cândido Mendes foi uma experiência enriquecedora, pois houve a troca do que levamos com o que recebemos daquelas comunidades ciosas de aprender mais e de aprofundar seus conhecimentos sobre litúrgia e canto litúrgico, no sentido de aperfeiçoar sua prática celebrativa com relação à Missa, mas, também, com relação à Celebração da Palavra, vez que esta é uma prática frequente, muito importante e significativa para muitas daquelas comunidades, tendo em vista a dificuldade de o padre atender a todas, e especialmente às mais distantes. Por isso nos domingos, Dia do Senhor, os leigos fazem a Celebração da Palavra para que suas comunidades tenham a presença de Jesus no meio delas, através de sua Palavra, na qual Ele se encontra presente.
Voltamos gratificadas pelo trabalho realizado e, principalmente, pela calorosa e sincera acolhida que sentimos por parte das pessoas, em relação à formação litúrgica que conseguimos ministrar, mesmo em face da exiguidade do tempo.
Agradecemos a Deus por essa oportunidade, ao Pe. Cosmo pela acolhida e às comunidades pelo exemplo de fé e de dedicação à Igreja de Jesus Cristo.
Obs: Imagens enviadas pela autora.