Vladimir Souza Carvalho *
Não há quem passe alguns dias na Europa, e, aí aponto alguns países onde já estive (França, Espanha, Itália, Alemanha, Portugal), para não retornar com o pulmão salpicado pela fumaça do cigarro. Vão fumar assim na casa da peste! Em todo lugar que se vai e se passa há sempre alguém de atalaia, com o cigarro na mão, a exalar as suas tragadas, espalhando o veneno que degluta, ofertando, gratuitamente, a quem não fuma, um pouco também de nicotina e substâncias cancerígenas afins que ingere.
Em uma ocasião, num passeio de barco, em território alemão, uma turista espanhola, de cigarro na boca a exalar fumaça por todos os poros, não gostou da careta que fiz quando se aproximou de mim, que, sentado, apreciava a paisagem saboreando um sanduíche. Soltou o verbo. Embora não pudesse traduzir o que dizia, evidentemente, rodava a bolsa. Eu, que não tinha reclamado de nada, a não ser pela cara feia que encenei, continuei mastigando o sanduíche, indiferente a seu verbo, até que ela mudou de lugar, o cigarro pendurado na boca.
Outra vez, em um shopping, em Porto, com o prato na mão, ao me sentar em uma das mesas, fui agraciado com uma baforada de fumaça, bem na cara, fumaça que, de imediato, me traz à tona o gosto da gripe que me acometia quando, em tempos distantes, também estragava o pulmão com o uso do cigarro.
Agora, recentemente, na Place des Vosges, em Paris, em um restaurante, ao me sentar, fui bombardeado por uma nuvem de fumaça, provocando minha imediata saída daquela mesa para outra, no interior do restaurante, porque nas de fora, me explicou a garçonete (uma portuguesa, de nome Ana Karenina), o fumar é permitido. Os incomodados se retiram, e, eu, solenemente, me refugiei em local outros, onde estaria livre de outros bombardeios, enquanto via, pelo vidro da janela, a fumaça do cigarro tornando o ambiente lá fora cada vez mais nebuloso.
Cotejo o cigarro, na Europa, com o cigarro, cá dentro, e sem apoio de nenhuma estatística, acho que estamos ganhando a batalha: o brasileiro fuma menos que o europeu. Não só acho, como, igualmente, tenho certeza. Não vejo, entre nós, quer em Aracaju, quer em Recife, cidades que se incluem no meu roteiro de vida, as pessoas fumando como se faz na Europa. Graças a Deus. O fumar aqui é exceção, enquanto por lá é a regra.
A paisagem então, e aí eu tomo Paris como modelo, é marcada pelos restaurantes com mesas nas calçadas, nas quais, entre um cafezinho e outro, que o parisiense tanto aprecia, o cigarro se manifesta aceso, entre homens, mulheres e colunas do meio, como se fosse um adereço que todos sentissem necessidade de ostentar, num suicídio lento e premeditado.
Do cigarro me fixo num servidor da Justiça Federal dos meus tempos alagoanos, que, na correição que presidi, em junho, em Maceió, me visitou, a boca comida pelo efeito das milhares de tragadas dadas, ferrugem a lhe devorar também o nariz, o lenço na mão a limpar o cuspe que caia, a dentadura parecendo que ia sair boca afora, a voz enroscada, as tantas operações feitas e a fazer para restaurar um pouco a carne desaparecida, máscara que, confesso, não me chocou de forma mais profunda porque já estava regiamente prevenido.
Publicado no Correio de Sergipe