Marcelo Barros(*)
A vida é bonita, todos nós, brasileiros, cantamos e repetimos com Gonzaguinha, na canção que diz ser esta a resposta das crianças: “é bonita, é bonita e é bonita!”. Agora, “a vida em primeiro lugar” é o tema do 17º Grito dos Excluídos a ser realizado no próximo 07 de setembro. Novamente o clamor pela vida será o conteúdo das reflexões, mas também de arte, poesia e música que integrarão esse evento.
Pelo 17º ano, as manifestações cívicas do dia da pátria não se restringirão à tradicional parada militar e nem mesmo ao desfile de estudantes pelas ruas. Em todo o Brasil, homens e mulheres, velhos e jovens, trabalhadores ou desempregados, todos são convidados a se expressar nas ruas das principais cidades brasileiras o grito que, este ano, foi condensado no seguinte lema: “Pela vida, grita a Terra. Por direitos, todos nós!”.
O Grito dos Excluídos é iniciativa das pastorais populares da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), ligada aos movimentos populares. Ele reúne pacificamente milhares de pessoas. Nos primeiros tempos, era como uma voz que clama no deserto. Atualmente, o Grito se une aos numerosos fóruns sociais que se espalham pelo mundo e às manifestações da juventude e da sociedade civil que tomam praças e ruas em várias cidades da Europa e da África para dizer a todos que um novo mundo é possível e urgente.
Talvez as redes maiores de televisão e jornais não dêem boa cobertura ao Grito dos Excluídos, mas não poderão deixar de mostrar o rosto de crianças famintas na Somália. Não poderão esconder que a taxa de desemprego na Espanha chegou a quase 30%. E são obrigados a noticiar que nos Estados Unidos existem 40 milhões de pobres e carentes. E não se tratam apenas de migrantes e sim de norte-americanos, nascidos e criados em seu próprio país.
Ninguém precisa ser de grupos e movimentos populares para perceber que alguma coisa neste mundo não está correta. Quase um bilhão de seres humanos passa fome em um mundo que nunca produziu tanta comida como atualmente. As revistas internacionais mostram que dois norte-americanos juntos possuem uma renda mais alta do que a soma do PIB de 47 países da África. Sobre a realidade brasileira, a realidade é que “a concentração da terra não só é a mesma dos primeiros anos da ditadura militar, mas aumentou. (...) As pequenas propriedades, com menos de dez hectares, ocupam 2, 36% di total das terras agricultáveis do país, embora representem quase metade (47, 86%) dos estabelecimentos rurais. Enquanto isso, apenas um por cento de proprietários controlam 44, 42% das terras, situação das piores concentrações agrárias do mundo” (Cf. Carta Capital 03 de agosto 2011, p. 22). Os dados revelam ainda que os pequenos lavradores, mesmo em uma extensão de terra tão reduzida, produzem mais de 70% de toda alimentação que vai para a nossa mesa (dados da CONTAG).
No Brasil e em outros países, essa realidade iníqua não acontece por uma fatalidade do destino ou porque é inevitável e sim porque os grandes deste mundo insistem em organizar assim a sociedade e contam com a apatia e a omissão da maioria da população que sofre, mas não se sente chamada a transformar essa realidade. No decorrer da história, muitas vezes, as religiões serviram como fatores de legitimação da desigualdade social e das injustiças. Atualmente, cada vez mais cresce o número de pessoas que, em todas as religiões ou em caminhos independentes, descobrem: se Deus é amor e o seu projeto para o mundo é de paz e justiça, o caminho da intimidade com o Espírito supõe necessariamente a solidariedade com todas as pessoas que sofrem e o compromisso com a justiça e o direito. No evangelho, Jesus proclama: “Bem-aventuradas, (abençoadas por Deus e felizes) todas as pessoas que têm fome e sede de justiça, porque serão saciadas” (Mt 5, 6). Esse é o espírito que move o Grito dos Excluídos.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.