domingo, 3 de julho de 2011

O MISTÉRIO DA INIQUIDADE


Dom Edvaldo G. Amaral (*)


          Séculos de acurados estudos bíblicos sempre se interrogaram: Por que Judas traiu Jesus? Por que? Ele era um dos doze escolhidos pelo Mestre. Ele seria um dos enviados pelo mundo para anunciar Jesus. Ele, por cerca de três anos, ouviu dos lábios do Senhor sua doutrina de amor, de perdão e reconciliação. Viu com seus próprios olhos os milagres portentosos: Lázaro redivivo após quatro dias de sepultado, o cego de nascença que é curado, os leprosos que ficam limpos, as pescas milagrosas, a multiplicação dos pães e tantos, tantos outros... Alguns tentaram explicar este mistério da iniquidade, sem satisfazer plenamente a inquietante interrogação. Judas pensaria que no último momento Jesus se libertaria de seus algozes, como fizera em Nazaré (Lc 4,30). Daí, seu desespero quando viu Jesus condenado, restituiu as moedas recebidas e foi enforcar-se (Mt 27, 3-10). Outros explicam que ele esperava que Jesus criaria reino terrestre poderoso, no qual naturalmente ele seria o ministro das finanças, como já o era de certo modo no grupo dos apóstolos (Jo 13, 29). Diante do fracasso dessa expectativa, desiludido, ele vai à procura dos sumos sacerdotes e lhes pergunta: “O que me dareis se eu o entregar?” (Ver Mt 26,14-16; Mc 14, 10s; Lc 22, 3-6). João descreve tristemente: depois que Jesus, na última ceia, deu o pão umedecido a Judas Iscariotes, filho de Simão, entrou nele Satanás e ele saiu imediatamente. “Era noite” – acentua o evangelista João (Ver Jo 13, 18-30, Mt 26, 20-25). É a noite do mistério da iniquidade...

          Na minha vida, conheci um sacerdote, prendado de muitos dotes, hábil em vários empreendimentos, que no tempo do Concílio, perdeu o entusiasmo de sua vocação entrou em desespero, declarando-se um depravado e desejando morrer em violento acidente. Por fim, fez desventurado matrimônio com uma mulher que o enganou e, roubando tudo o que ele possuía, abandonou-o gravemente enfermo e seus irmãos de Congregação é que foram assisti-lo no fim da vida, em estado de total miséria.

          Outro conheci que era grande orador e poeta bisexto, tendo sido diretor de três colégios, em estados diferentes. Já na velhice, casou-se com uma antiga conhecida. Numa sessão literária, sem ser percebido, ouvi este comentário sarcástico: ”Padre Fulano casou Cicrano, batizou seus filhos, fez seu enterro e casou com a viúva...” No fim da vida, bem enfermo, temia pela sua salvação eterna e um vigário, seu irmão de Congregação, procurava consolá-lo na confiança da infinita misericórdia de Deus.

          O caso mais triste que conheci foi de um quase colega meu. Depois de ter sido superior religioso por quinze anos, julgou-se injustiçado, perseguido pelos superiores, abandonou tudo e casou-se. Mas.com triste acidez, escrevia em carta a um seu amigo: “A mim, só me resta uma coisa: odiar!” Teve morte prematura, privado da visão.

          Temível poder da liberdade humana, que nos possibilita a escolha do mal para nossa própria infelicidade e triste auto-destruição. É o mistério da iniqüidade...

          Vamos pedir com fé todos os dias: “Daí-nos, Senhor, os Padres de que a Igreja precisa!


(*) É arcebispo emérito de Maceió.