domingo, 26 de junho de 2011

A VERDADE VOS LIBERTARÁ


Marcelo Barros(*)


          Esta palavra de Jesus pode bem ser proclamada, hoje, para o governo brasileiro que discute se abre ou não o arquivo dos documentos secretos da história brasileira, afim de que todos os cidadãos e cidadãs do país exerçam o direito de saber o que aconteceu e, assim, a história não se repita. Sem dúvida, ninguém precisa guardar segredo de coisas boas, nem ter vergonha de feitos heróicos e atos de bondade que foram feitos. Ao procurar manter oculto do público documentos considerados ultra-secretos, as autoridades têm consciência de que estão escondendo crimes e atitudes iníquas e indignas, cometidas por pessoas e grupos que agiam em nome do Estado brasileiro e investidos com a autoridade que este lhes dava. Conforme os organismos de direito internacional, não adianta a desculpa de que havia uma guerra interna não declarada e que os adversários do regime militar também cometeram erros. Em primeiro lugar, era desproporcional a força do Estado contra grupos de jovens mal armados que queriam libertar o país. Mas, o argumento maior dos juristas é que tortura e assassinato nunca podem ser encobertos, principalmente se cometidos em nome do país.

          Todo mundo sabe que algumas pessoas e setores, que procuram manter tais documentos ocultos e inacessíveis, fazem isso por medo ou por conveniência. Ex-presidentes da República temem que, ao vir a público, certos documentos revelem aspectos do seu governo que eles querem manter desconhecidos. Alguns setores militares não aceitam que crimes comuns e atrocidades, perpretados por colegas de farda, venham a público. Talvez alguns intelectuais de direita não desejem que os brasileiros revejam conceitos que a história oficial lhes ensinou. Se os documentos forem revelados, alguns personagens considerados heróis nacionais aparecerão como assassinos cruéis. Entretanto, hoje, toda pessoa mais lúcida que estuda história já sabe que as bandeiras do século XVIII foram expedições colonialistas responsáveis pelo extermínio de diversos grupos indígenas e escravidão dos sobreviventes. Poucas pessoas, hoje, negam que a guerra do Paraguai foi uma violenta invasão do país e um massacre do povo paraguaio que o Brasil realizou, junto com a Argentina e o Uruguai. Há problemas de fronteira, como a relação com a Bolívia por causa do Acre no começo do século XX. Entretanto, é evidente que o maior interesse e também a discussão sobre a abertura do segredo incidem sobre os documentos sobre o tempo da ditadura militar. No continente, o Brasil é o único país a continuar não permitindo que o seu povo tome conhecimento claro e justo do que ocorreu. Depois de anos de discussão, finalmente o governo aceita que se institua uma Comissão da Verdade para apurar os crimes cometidos por militares no tempo da ditadura. Mas, esta comissão só poderá cumprir sua missão, se os documentos sobre a época não continuarem secretos e inacessíveis.

          O Brasil inteiro tem consciência de que não se quer vingança e sim justiça e verdade. A própria reconciliação do país com suas forças armadas precisa deste gesto generoso de reconhecimento dos erros por parte de alguns setores militares, assim como de civis, envolvidos em atividades ilícitas e eticamente injustificáveis.

          Todas as religiões nos ensinam o valor do perdão. Entretanto, para ser eficaz e cumprir sua missão de reconciliar as pessoas, o perdão supõe o reconhecimento dos erros por parte de quem errou e a disposição de repará-los na medida do possível. Então, sim veremos se cumprir a palavra de Jesus: “A verdade vos libertará” (Jo 8, 33).


(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.