domingo, 12 de junho de 2011

TEXTO DE DJANIRA SILVA


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          Toca o relógio. A preguiça nos segura embaixo dos cobertores. A voz da mãe chama, insiste. No caminho da Igreja esperam-nos os despertadores: dos deveres, dos sentidos, da consciência dos ensinamentos guardados nos livros e que eu bem gostaria nunca tivessem saído de lá.
          Oito da manhã. Missa da Juventude. Entramos na Igreja, corpo e alma perturbados. Moças de um lado, rapazes do outro. Na cumplicidade dos olhares, promessas transgressoras.

          O tempo arruma e desarruma as vidas.
          É dia de festa. Encontro de gerações.
          As lembranças se encarregam de reconstituir o tempo.
          Estamos ali para colher saudades. Tentamos exumar sorrisos nas faces envelhecidas, algumas, só tristeza. Fazemos um inventário das festas, dos encontros, do chamado dos sinos, dos dobrados da banda de música no coreto da praça, dos namorados mandando mensagens de amor pelo alto-falante.
          Momentos mágicos de contrição sem arrependimento e de desobediências planejadas. A imaginação empresta-nos asas, ainda de anjos.
          Nos cartazes um filme anunciado para breve: Como era Verde o Meu Vale. Aquele breve demorava a chegar. Tínhamos urgência, urgência de viver, vestir roupa nova, ir ao cinema, sentar nas primeiras filas, olhar para todos os lados, ver quem chegava, marcar encontro com os olhos, com os gestos. As mãos se encontrando no escuro, o filme quebrando no meio, as luzes acendendo, a surpresa, os sustos. Ai, “como era verde o meu vale.”
          E agora, “Por quem os sinos dobram?”

          Ser criança sem saber da vida, ser feliz. Subir ladeiras, altivos, orgulhosos como quem canta.
Quem sente saudade não se pertence. Perde-se nas imagens que escapam dos olhos na busca dos caminhos da volta. Quem dera tivéssemos perdido um bocado de tempo ou o tempo todo, correndo pelas várzeas, brincando de pega ao redor do colégio, roubando goiabas nos quintais, pulando no bueiro que transbordava quando chovia, caindo na água, sapatos molhados, espirros e tosse, chá de hortelã.
Ai que saudade das febres e de quem me dava chá com mel de abelha.

          Um dia, os caminhos adoeceram. Apareceram chagas por todos os lados transformados em ruas, becos, postos de gasolina. O asfalto apagou as marcas dos sonhos. Os pés de avelós deram lugar a cercas e muros, saídos do chão feito esqueletos saídos das covas. O riacho livre que enchia nas grandes chuvas, preso agora, entre duas paredes, sufocado feito minha alma num corpo de gente grande.
          Por detrás do olhar as lembranças. Nos sons do mundo as batidas do sino, na esperança da volta os ponteiros do relógio.
          Reverentes, como quem reza, tristes como quem chora, descemos a ladeira da volta.


Obs: Texto retirado do livro da autora – Pecados de Areia.