domingo, 19 de junho de 2011

O MUNDO SEGUNDO MINHAS PALAVRAS


Betto Santos*
robertosantos@mail.com


Três grilos em uma caixa de fósforo: um come o outro, que come o outro, que se come. Essa foi à explicação de Manoel quando encontrou a caixa vazia.

Não que eu me desdobre de rir com a história do português, mas sempre acreditei que é possível identificar se um livro é ou não bom, pela primeira frase. Por isso talvez que eu comece a ler as revistas e jornais de trás pra frente, talvez esteja procurando uma primeira frase no final; porque na primeira folha o editorial não é nada interessante. Além do mais, a coluna esportiva fica perto do final.

Certa vez escrevi um livro sobre o big bang, direcionado ao público infantil. Começava assim: Teve dinossauro se contorcendo igual lagartixa presa pelo rabo quando o pedregulho caiu. Foi mais ou menos assim; levantou poeira, não como na música da Ivete Sangalo, mas no sentido literal da palavra. Levantou poeira daquelas que faz quem tem rinite ficar com o nariz torcido pra esquerda. Essa poeira impediu o sol de penetrar no solo e nas plantinhas, assim não podia ocorrer à fotossíntese, então começaram a morrer os dinossauros politicamente corretos – os vegetarianos – cá entre nós, esses comedores de plantinhas, quando o negócio apertou mesmo, começaram a experimentar um filezinho frito; mas não digam que eu contei.

Rejeitaram na editora; em todas elas. A senhora que me atendeu, ainda teve a audácia de criticar os desenhos que fiz para capa. Chamou-me de Vincent Willem, vulgo Van Gogh. “só que sem o talento”, complementou. Perguntei se Van Gogh era o que pintava com os pés, ela disse que não sabia. Fiquei curioso, fiquei pesquisando, fiquei com preguiça, fiquei sem saber.

Depois do infantil big bang, tentei um livro para os frustrados com as grandes indagações do século vinte e um. Comecei assim: Filosofia acaba aos quinze anos. Isso mesmo, não existe grande problema na vida. As coisas são as coisas, e ao contrário também. Quem fica filosofando muito, são aqueles que não têm um testículo e tentam compensar o fato de serem monobolas, colocando defeitos no mundo.

Disseram que era suposto que eu ajudasse os adolescentes e não que incentivasse o suicídio. Não entenderam minha obra prima; ora bolas, um bando de monobolas, as coisas são as coisas, meus caros, e são as coisas, mesmo ao contrário.

Acredito em contrário; acho que os últimos sempre serão os primeiros, e os primeiros são desvalorizados. Baseado nisso parei de chegar às editoras muito cedo, e fui ao anoitecer; mas armaram pra mim, não sou burro, sabia que era tudo fachada: as luzes apagadas, o segurança (que deu trabalho pra nocautear), os alarmes. Tudo fazia parte do “esquema” da editora para não ler meu livro.

Acabei sendo acusado de invasão a propriedade privada. Depois desse incidente, fui morar no fim do mundo (segunda à esquerda, na Rua com nome de algum Coronel). Quando vim morar aqui; ou aí se você for daqui, mas, se for daqui, aqui é aí, e ao contrário – gosto de contrário, mas não de confusão – mandei instalar telefone, e mesmo sem nunca ter dado o número pra alguém; todo dia, as duas da madrugada o telefone tocava, porém, quando eu atendia, nada falavam. Isso se procedeu até o dia que atendi e disse “Casa de magia negra, compramos e trocamos almas, fazemos isso pela linha telefônica, não precisa nem tirar do ouvido. Em que posso ajudar?”. Nunca mais ligaram.

Andei pensando que as editoras, talvez, não entendam minhas obras porque minhas primeiras frases - ou PF, ou qualquer abreviação que queiram – não tenham tido o impacto suficiente. Acho que meus livros acabam por ser repletos de PFs, nunca chego a uma segunda, conseqüentemente, nunca chego a um final.

Sobre mim, só sei duas coisas: que sou escritor, e que tenho problemas de memória.

Tenho a formula ideal para os livros, só ainda não valorizaram meu talento. A primeira frase é a chave mestra. É sempre narrado na primeira pessoa do singular. Tenho a mania, também, de sempre apresentar o personagem principal na última frase, ou na última PF.

A propósito, meu nome é Bartolomeu Augusto Segundo, e sou escritor.