por
J. A. Horta da Silva
(horta.silva@sapo.pt)
Portugal comemorou, com singularidade, os trinta e sete anos do 25 de Abril de 1974. Contrariando a tradição, o acto solene recolheu-se ao Palácio de Belém, tendo como oradores os quatro Presidentes da República eleitos após a Revolução dos Cravos. Este novo figurino esvaziou a efeméride do respectivo cunho parlamentarista para lhe dar uma chancela presidencialista. Porém, é preciso ter em conta que está posta de parte qualquer tentativa palaciana, tanto mais que a culpa permanece sentada nas bancadas do hemiciclo de S. Bento.
Actualmente, para a esmagadora maioria da população portuguesa, o 25 de Abril tem um significado lúdico, ligado ao posicionamento do fim-de-semana intercalado com o 1º de Maio. De facto, o 25 de Abril e o dia do trabalhador despertam a impaciência dos portugueses relativamente à oportunidade de umas férias antecipadas, que saciam o atávico lazer cultural das gentes lusas, ócio alimentado pelos governos e as oposições na expectativa do retorno em votos. Se transferirmos a atenção para a queda da primeira república (28 de Maio de 1926), verifica-se que esta só aconteceu face ao descalabro que os responsáveis políticos de então provocaram, a ponto de deixarem o país imerso num caldo de desordem pendurada numa enorme dívida soberana. Salazar e o Estado Novo só vingaram por força da incapacidade dos actores políticos desses tempos. O 25 de Abril foi uma esperança nómada por entre o emaranhado das perspectivas criadas. Cingindo-nos aos objectivos dos três Ds, verifica-se que o processo de Descolonização foi irresponsável e teve consequências desastrosas em algumas colónias, a Democratização foi rugosa e angustiante face ao PREC¹ e as estratégias de Desenvolvimento foram desajustadas relativamente ao aproveitamento dos nossos recursos naturais e humanos, à posição geoestratégica de Portugal, à falta de investigação científica e tecnológica aplicada a casos de interesse económico, à carência de um ensino profissionalizante à altura das necessidades e à incapacidade da justiça.
Debaixo de uma enorme simplicidade de matiz ascética, imbuída de uma vertente com marcado pendor de um revivalismo franciscanista, Agostinho da Silva – ex-assessor da política cultural de Jânio Quadros e fundador ou co-fundador de várias universidades brasileiras e de Centros de Estudos Portugueses – considerava que D. João I e a batalha de Aljubarrota constituíram o virar de página de um Portugal apático e feudal a caminho de uma nação empreendedora, pelo facto de o rei ter deixado de compensar, com vassalos, os senhores dos castelos. Esta alegoria de um português/brasileiro, iberista convicto e anti-europeísta confesso traz, aos nossos dias, o pensamento de outros portugueses quando olham não só para o clientelismo genético cuja placenta se encontra inserta no seio dos partidos políticos, mas também para uma União Europeia que, para além de deixar de ser solidária, permite que o mercado bolsista asfixie a fímbria do velho mundo, nomeadamente a Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda, Bélgica e, sabe-se lá, se não atingirá a Itália e a França. No seu discurso das comemorações do 25 de Abril, Mário Soares abordou esta contingência, além de invocar as dificuldades introduzidas ao programa dos três Ds pelo PREC, muito embora as reflexões dos outros oradores também mereçam ponderação.
Vejo com desgosto e apreensão que, depois da cerimónia havida no Palácio de Belém, Passos Coelho tenha considerado a comemoração do 25 de Abril como uma perversão vestida de uma intenção malévola destinada a fabricar uma espécie de União Nacional, facto pelo qual o actual Presidente do PSD continua a afirmar-se como um aluno do Jardim Escola confinado à leitura da Cartilha de João de Deus. Mais comedido foi o líder da CGTP-IN, Carvalho da Silva, que tem uma importante missão relativamente à concertação social. Pelos menos, deu mérito a passos do discurso de Jorge Sampaio. Não há dúvida de que, muitas das mentalidades políticas de hoje permanecem imbuídas dos defeitos dos políticos da primeira república. Infelizmente, o dinheiro não dorme, enquanto os portugueses e a economia nacional descansam em demasia.
Coimbra, 2 de Maio de 2011
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¹Processo Revolucionário Em Curso