por
J. A. Horta da Silva
horta.silva@sapo.pt
As eleições clarificaram a situação política em Portugal. O PSD e o CDS vão formar governo, sob a sombra de um acto eleitoral que foi vencido pelos abstencionistas que, juntamente com os votos nulos e brancos, atingiram cerca de 45% do total dos eleitores, não obstante o empenhamento pessoal do Presidente da Republica, numa declaração pública contra a abstenção. Sócrates sucumbiu, como um gladiador, tal como havíamos previsto. No entretanto, tive acesso a documentos relativos às crises económico-financeiras de estados europeus e americanos (USA), destacando: “Memorando da Troika”, “Manifesto de Economistas Franceses Aterrorizados” de André Orléan, presidente da “Association Française d´Economie Politique” e outros e “Por que Razão a Resposta à Crise está Errada” por Paul Krugman, prémio Nobel de economia e cronista do “The New York Times”.
O Memorando da Troika, assinado pelo PSD, PS e CDS, é de tal modo preciso que é fácil verificar que os programas partidários apresentados às eleições legislativas portuguesas têm pouco significado, muito embora os manifestos do PSD e CDS, de pendor neoliberal, estejam mais próximos das exigências da CE, BCE e FMI do que o programa do PS. Desta singularidade, ressalta a dúvida: como vai proceder o PS em sede da Assembleia da República, quando tiver de votar propostas que obedecem ao espírito da Troika e são contrárias às linhas programáticas de um partido de tendência social-democrata? Mas as dificuldades não se confinam a esta incongruência. Inclusivamente, põe-se o problema no âmbito da possível inconstitucionalidade de algumas medidas a tomar, pormenor que exigirá a revisão da Constituição e, neste caso, as alterações terão de merecer o apoio de uma maioria de 2/3 do Parlamento, tramitação longa para quem já tem a casa a arder.
O texto da Troika está subdividido em diversos capítulos salientando-se: Política Orçamental, Medidas Estruturais, Mercado de Trabalho e Educação, Mercado de Bens e Serviços (Energia, Telecomunicações, Transportes), Mercado da Habitação, Justiça, Ambiente Empresarial, Contratação Pública, etc. Como denominador comum, sobressai a imposição sobre o Estado Português de proceder ao emagrecimento da Função Pública, não só extinguindo organismos, mas também reduzindo despesas de funcionamento e investimento em Educação, Saúde, Pensões, Subsídios de Desemprego e Segurança Social, bem como congelando benefícios fiscais, aumentando a tributação de bens, reduzindo as deduções à colecta e implementando um programa de privatizações, do qual ressalta: transportes (CP carga, TAP e Aeroportos de Portugal), energia (Galp, EDP e REN), comunicações (Correios), seguros (Caixa de Seguros), rádio e televisão (ex: RTPs), etc. A racionalização das actividades da Caixa Geral de Depósitos está também em agenda, bem como as PPPs. A legislação laboral será alterada no sentido de introduzir maior flexibilização e, eventualmente, maior facilidade de despedimentos. O choque será doloroso e a vida das classes baixa e média vai passar por momentos muito difíceis.
Este pacote assemelha-se aos prescritos para a Grécia e Irlanda, não obstante os fracassos registados nestes países e também em estados americanos, onde a experiência do neoliberalismo tem tradição desde Ronald Reagan. A submissão da economia às finanças é um erro, tanto mais que a avaliação financeira não é neutra, entregue que está a um reduzidíssimo número de agências de “rating” que contribuem para definir as taxas de juros nos mercados de obrigações onde a notação, além de subjectiva é, frequentemente, norteada no sentido de alimentar acções especulativas. Por exemplo: não obstante ter sido eleita uma maioria de direita em Portugal, em plena consonância com a matriz do pacote de medidas da Troika, os juros da dívida pública portuguesa não param de aumentar. Dentro de pouco tempo, chegar-se-á a um ponto em que todos os sacrifícios realizados pelo povo português, conjuntamente com os ganhos obtidos nas privatizações, o aumento de impostos, a diminuição da despesa pública, etc., só servirão para pagar a agiotagem, mantendo-se o valor da dívida soberana inalterável. Aliás, a especulação bolsista assemelha-se à actuação dos predadores na Natureza, mas as sociedades humanas não deviam esquecer que a ética e a moral fazem parte integrante da humanidade. Para além do mais, estando algumas empresas públicas portuguesas em dificuldades financeiras, por exemplo TAP e CP, é óbvio que nunca se conseguirá, no mercado, uma oferta compatível com os seus valores, pois é bem conhecida a fraca posição negocial de quem vende sentindo o laço da forca a apertar o pescoço. Por outro lado, as medidas da Troika vão fazer disparar o desemprego, razão que impedirá a economia de arrancar, dando lugar a uma recessão cavada. Os países europeus que pediram ajuda não vão ser capazes de pagar as dívidas e os planos de austeridade para a Grécia, Irlanda e Portugal que, muito provavelmente, serão seguidos para a Espanha, Bélgica e Itália, só vão deteriorar a situação. Nos Estados Unidos, Obama já clamou a atenção do Senado para o problema da dívida Norte Americana. Existe um adágio popular que diz: «quem com ferros mata, com ferros morre…» mas os provérbios podem aquecer a alma, mas não arrefecem a acção predatória dos mercados.
Cada semana que passa traz consigo uma novidade e o tempo escoa tentando baralhar-nos as ideias. Porém, subsiste uma inexorável verdade. Sempre que acordamos, vemos que a vida está pior e que estamos mais velhos e mais frágeis para a defrontar. A hora de tocar a quebrados chegou, e os caminhos a percorrer são dúbios e pedregosos.