domingo, 13 de março de 2011

A PRESENÇA DE POMBOS E POMBAS

Vladimir Souza Carvalho *


Estou em plena Praça São Marcos, em Veneza. Um calor tão infernal que o Piauí mergulharia num profundo complexo de inferioridade. Procuro abrigo na varanda de uma igreja, ao lado da Catedral de São Marcos, onde, para minha sorte, encontro um banco vazio. No meu colo, o chapéu (não há como andar sem a proteção de um) e a máquina fotográfica. Meus olhos de tabaréu curioso giram como metralhadora em busca de todas as imagens. A minha frente, recebendo os mais duros raios solares – estamos às 13,30 horas -, uma fila imensa, formada por pessoas de todas as nacionalidades, se mantém firme, em direção a Catedral de São Marcos. Eu, não. Me recuso a entrar na fila, e, em face do calor, fico na sombra, bem acomodado e sentado, ainda mais.

Adiante, no meio da praça, um fotógrafo faz a experiência: pede a uma turista para dar milho aos pombos. Sim, aos pombos, habitantes naturais daquelas plagas, em número sempre crescente, a trafegar em meio às pessoas, afinal, invasoras de sua área, sem se falar em vôos rasantes, que, afinal, sempre se revelam perigosos. A turista começa a colocar milho nas mãos, atraindo a atenção de um pombo, de outro (nenhuma alusão ao poema de Raimundo Correia), e, de repente, como se uma estranha comunicação fosse feita, são muitos os pombos que se dirigem ao mesmo ponto, cercando a turista, muitos se equilibrando em suas mãos, não perdendo o fotógrafo, bem colocado, nenhum lance.

O fato não guarda nenhuma nota de excepcional. Pombos famintos que voam em direção ao alimento. Coisa muito natural, sem que ninguém faça algum protesto a exigir da municipalidade veneziana a obrigação de alimentar os seus pombos. Ademais, é muito comum em praças européias a presença de pombos. Em Portugal, por exemplo, os pombos deixam suas marcas – de fezes, ressalte-se – nas estátuas dos heróis lusitanos. Os vestígios, bem acentuados, mostram a terrível atração que as estátuas exercem sobre os pombos, a transformá-las em sanitários especiais.

Mas, o que me chama à atenção e me fica na mente em a Praça de São Marcos, como, depois, irei constatar o mesmo fato, em uma praça, no centro histórico de Guimarães, em Portugal, é a tara dos pombos, que, independentemente do calor, ficam de tocaia nas pombas, sem respeitar a extraordinária presença e testemunho de turistas. Em Veneza e em Guimarães, pude constatar, pacientemente, a mesma situação: a pomba, em busca de algo para comer – uma migalha de pão, por exemplo -, e, de repente, surge o pombo (o macho é maior e tem o pescoço grosso) soltando as asas, largando as cantadas, num canto incomum, na maior falta de cerimônia (não direi nem de respeito) do mundo.

Acredito, sem nenhuma base científica, que o calor do meio dia não se transforma no momento adequado para um ato de amor, e, ainda mais, numa praça, com tantos turistas caminhando para lá e para cá. Se os pombos procuram as pombas – eu vi, não invento, não minto, - é porque o momento não exerce, no caso deles, nenhuma influência negativa. É só uma afirmação, sem o encosto de uma bibliografia científica a respeito de tão singular e importante matéria.

O que posso afirmar, sem receio nenhum de errar, que a temática é por demais séria e a abordagem, eminentemente técnica, é que não vi, nem na Praça São Marcos, nem na Praça de São Francisco, em Guimarães, nenhuma pomba cair nas declarações dos pombos. E aí o terrível dilema do macho que, todo faceiro, se vê diante da realidade do não, e, com a cara mais sem vergonha do mundo, recua em direção a outras pombas, porque o numero das fêmeas, como no meio humano, é mais acentuado, e se uma não aceita a corte, outra haverá de dizer sim. Não custa tentar.

Não tive tempo, em Paris, de ver cenas idênticas. Mas, para não perder a oportunidade, em uma calçada perto do Museu do Louvre, fotografei um pombo se aproveitando da sobra de comida deixada num prato por algum freguês, em restaurante ali assentado. Pombo, aliás, acostumado a turistas, tendo até feito pose para o clique de minha máquina.


(*) Membro da Academia Sergipana de Letras.
Publicado no Correio de Sergipe