segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

QUARTA LIÇÃO: NA EMERGÊNCIA DA MORTE, A VIDA SE URGENCIA


Maria Inez do Espírito Santo
www.mariainezdoespiritosanto.com


Foram as borboletas quem me pressagiaram a quarta lição. Cercaram-me em bando no caminho e quase me levantaram no ar, como à mãe de Poronominare. Tão mítico que a beleza tanta me surpreendeu.

Depois ficaram por aqui, entrando e saindo pela casa, querendo me dar um recado que eu não conseguia traduzir. Sabia que era de transformação, mas a sutileza dessas flores aladas me enternece de tal maneira que, ao tentar pensá-las, sinto como se tudo fosse muito pouco...

Ocorre que o dia seguinte me trouxe histórias: as histórias dramáticas que eu temia ouvir tão próximas. Vieram doídas, mornas ainda das lágrimas e das muitas dores. Ao final da tarde, a frase título apareceu translúcida:

No encontro com a Morte, a Vida se urgencia.

Foi depois disso que chegaram estes textos pelo correio eletrônico. E eu entendi, então, que era para compartilhá-los, já que vinham prenhes deste significado que as borboletas anunciaram.

Os dois autores pertencem à mesma família. Ambos perderam muitos entes queridos. Os dois se juntam e me trazem a quarta lição. Aí está:

Um depoimento de luz e esperança!
por Janimary Guerra Pecci


Ainda me pego imaginando (e é cedo para parar de imaginar) como anda o dia a dia das famílias que perderam muitos dos seus entes queridos... Como e onde estão encontrando forças para se refazerem emocionalmente? Que troca de luz e esperança estão realizando entre os que ficaram por aqui? Ah... Como eu desejo contar, a todas as famílias friburguenses que passaram Pelas experiências de perdas, um pouco do que EXISTE em nossa especial família GUERRA.

Assim vivenciamos a nossa tarde do último domingo, dia 6 de fevereiro de 2010. Na casa do Tião Guerra e da Mariane Canella, todos fomos acolhidos... Chegávamos aos poucos, trazendo as contribuições para o lanche comunitário, íamos nos abraçando de forma serena, longa, carinhosa... Um abraço ainda sufocado, afinal de contas era o nosso primeiro encontro, após o dia 12 de janeiro de 2010. As palavras eram poucas, mas o calor, este era por demais intenso, imenso! Junto deste calor humano, o clima era de muita paz! As crianças brincavam de um lado para o outro, as pessoas arrumavam a mesa, alguém enchia as garrafas de café, outro estourava a pipoca... O cheirinho no ar era o mesmo de quando ainda pequena sentia ao lado dos muitos primos e tios... Era cheiro de FAMÍLIA, de UNIDADE, de INTIMIDADE. Nessas horas, a gente sente vontade de exclamar: Meu Deus, como é maravilhoso ter uma família, como é divino cultivar os laços da simplicidade, da união, da esperança, da fé, enfim, dos verdadeiros valores! Nossa família é assim... Espero que muitas outras sejam assim, também.

Na sala, no quintal, os instrumentos começam a ser espalhados, começam a tomar vida, as crianças pegam uns e outros, produzem os sons daquela festa que nunca terá fim... Nós, os adultos, timidamente, vamos ensaiando algumas músicas, relembrando melodias... Nossa família Guerra é assim: sobram talentos para teatro, música, arte, criatividade, boas loucuras e ousadíssimos voos. E neste contexto, mais uma vez, a maior expressão que pode sair de minha boca é: GRAÇAS A DEUS!

Chegam os primos mais esperados, Samuel, Paloma e os filhos e a Sani, além da matriarca vovó Maria, estamos todos juntos... Não falta ninguém, pois pela nossa fé, mesmo os que mudaram de esfera, estavam conosco... O anfitrião puxa a fila das homenagens e deste primeiro fio, um belíssimo novelo de lã vai se enrolando ou desenrolando, sei lá, é difícil de explicar, só dá pra sentir. A roda, no quintal, é imensa, uns pedem a palavra, relembram momentos que jamais serão esquecidos, choram, convidam a todos para uma oração... Outros pegam livros de histórias e as contam, enfatizando as mensagens das entrelinhas, muitos vamos revezando as canções... Nossa reunião é uma festa que se traduz em CELEBRAÇÃO DA VIDA! É claro que, em meio a tanta emoção, entrega e transparência, muitos dos guardanapos (que seriam utilizados no lanche) foram passados de mão em mão para enxugarem as lágrimas. E, em meio a tanto amor, nesta tarde de domingo, realizei uma experiência de família jamais vivida até então: descobri ou redescobri que chorar junto, dividir a dor e a alegria, escutar o outro, apoiar os mais sofridos é, inexplicavelmente, algo MARAVILHOSO!

Depois de tantas homenagens aos nossos que se foram, a partilha dos quitutes mineiros (nossa família é de lá) continuou, num 2º tempo. E lá pelas 22h, sem termos sentido o tempo passar, alguns começaram a se despedir, outros ainda permaneceram e não tive notícias de quem saiu por último... Mas, independente da hora em que cada um deixou aquela casa tão especial, o que importa dizer é que estávamos encerrando um encontro o qual, confesso, não gostaria que acabasse nunca. Acho que todos sentiram também assim... Parecíamos todos tão protegidos... E é por ter nascido nesta família que, até o fim de minha vida, serei grata a Deus! Não tenho dúvida de que ainda vivenciaremos inúmeros encontros pela frente, mas pelo menos, este primeiro, eu não poderia deixar de compartilhar com vocês, meus irmãos friburguenses!


(escrito em homenagem a toda a família Guerra, de Conselheiro Paulino, na saudade especial dos seus oito entes queridos que se foram no dia 12/01/2010, vítimas de soterramento no Loteamento do Barão. São eles: a matriarca Erotides Guerra (Tidi), a filha Sara, o genro Renato e os netos Carolina, Luiz Guilherme, Victor Hugo, Maria Victória e Manoela