domingo, 20 de fevereiro de 2011

O ENCANTO DA TELA E A MAGIA DA VIDA


Marcelo Barros(*)


Nestes dias, os meios de comunicação propagam previsões para os filmes candidatos ao Óscar 2011. No próximo domingo, 27, os prêmios da Academia serão anunciados. As premiações de Hollywood não ocultam um lado comercial. Mesmo assim, a transmissão do Óscar nos recorda sempre o encanto do Cinema e como a sétima arte pode contribuir para fazer emergir no ser humano o que há de melhor e confirmar os valores da paz e da fraternidade universal.

Dos filmes que passam atualmente nas telas do Brasil, Santuário é uma produção de James Cameron. Depois de Titanic e Avatar, ele nos leva a uma imensa caverna da Nova Guiné, onde uma equipe de exploradores tem de mergulhar sempre mais profundamente para escapar de uma inundação inesperada. Apesar dos clichês comuns a este gênero de aventura, o filme recorda a vocação de todo ser humano para “ir sempre mais às suas profundezas interiores” e arriscar a própria vida, até onde o mistério o chama e o aguarda.

Outros filmes também tocam em pontos sensíveis. Nem todo mundo tem estômago para curtir um filme com cenas violentas de lutas corporais e do mundo do Box, como “O Vencedor”. Mas, para além das competições e da ganância de uma família controladora, vislumbra-se o sonho de uma vida melhor e o papel do amor na vida de cada pessoa. O Cisne Negro nos remete ao mundo do espetáculo e as pressões terríveis que sofre uma artista para se manter no foco de sua carreira. A protagonista diz claramente que “busca a perfeição”. Muitas vezes, esta busca foi vista de forma fundamentalista como um ideal espiritual. De fato, Deus nos quer como somos. Um bom caminho espiritual é nos aceitar como somos e, a partir de nossa fragilidade, nos deixar conduzir pelo Espírito. No Cisne Negro, a bailarina precisa deixar-se conduzir pelo coreógrafo exigente. Sua ambição é se manter no topo do corpo de balé (ser a rainha). Isso provoca nela um desequilíbrio interior e a confusão entre realidade e fantasia. Nós também temos de distinguir o que em nós é personagem e o que é verdadeiramente a essência do nosso ser mais profundo e pessoal.

A Rede Social é um filme que fala mais a linguagem da geração face-book. Entretanto, é genial a história do jovem analista de sistemas que constrói uma rede que proporciona a amizade virtual de 500 milhões de pessoas do mundo todo. Muitas vezes, a relação virtual não se torna aproximação real. Mas, seja como for, enquanto outros fazem guerra e apostam no conflito de civilizações, este filme descortina uma grande conexão de amizade.

O Discurso do Rei tem o estilo de alguns filmes ingleses conhecidos nossos. A mistificação da monarquia parece de outros tempos, mas as interpretações dos atores são contemporâneas. Apesar da aparente proposta elitista, é um filme que acentua como a palavra é importante nas relações humanas e na ordem social.

Lixo Extraordinário é um documentário brasileiro, inscrito na Academia como sendo norte-americano. Ele chama a atenção para a realidade de tantos brasileiros que tiram seu sustento no lixo e moram nos lixões urbanos. Filmado no Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, maior aterro sanitário da América Latina, o filme mostra a vida dos catadores e como o lixo pode ser transformado em obra de arte nas mãos do artista plástico Vik Muniz. O filme transformou Tião Santos, líder dos catadores de lixo em Gramacho, em personagem internacional.

Outros filmes de hoje nos fazem relembrar clássicos de outrora. Assim Bravura Indômita dos irmãos Cohen não nos deixa esquecer do imortal John Wayne e de seus faroestes clássicos. Também nesse, o delegado que representa o sistema americano tem um dos olhos vendados. A crítica da Carta Capital (16/ 20/ 2011) comenta que na versão dos anos 60, o xerife tinha o olho esquerdo vendado para significar um sistema incapaz de olhar o mundo do lado da esquerda. Agora, na nova versão, o tapume é no olho direito. Pode ser que esta crítica proceda, mas o importante é perceber que a ilegalidade criminosa pode ser de direita ou de esquerda. A direita adquiriu maior profissionalismo no assunto e deixa menos rastros, mas a violência é negativa, venha de onde vier. Ao deixar isso claro, evita-se a glamourização dos faroestes antigos ou atuais.

Para desenvolvermos uma verdadeira espiritualidade humana, temos de aprimorar a visão crítica e, ao mesmo tempo, a capacidade de sonhar. Para isso, o Cinema pode ser uma boa janela de esperança. O grande diretor Ingmar Bergmann afirmava: “Creio que todas as qualidades que comumente vinculamos a Deus – amor, ternura, graça, podem se encontrar nos próprios seres humanos. Isso é o grande milagre. (...) Penso que a arte só pode ser feita com uma espécie de obsessão espiritual”. Já Charles Chaplin, ao comentar um de seus filmes sobre o imortal Carlitos, dizia: “Ao sair de um bom filme, a gente fica com a impressão enervante e desalentadora de que alguém esteve espiando por dentro a nossa alma”.


(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.