domingo, 20 de fevereiro de 2011

DIAGNÓSTICO E TERAPIA


Doenças do Corpo Político
por

J. A. Horta da Silva
horta.silva@sapo.pt


Imagine o leitor, um doente que, após inúmeros testes de diagnóstico, volta ao médico para conhecer a terapia a aplicar à doença que não cede à medicamentação prescrita. Os resultados dos exames constituem um dossier empanturrado de análises clínicas, de TACs, de RMs e de biopsias, acompanhados dos respectivos relatórios. Com sorriso esbatido e olhar circunspecto, o médico analisa o processo e, de modo sibilino, vira-se para o paciente e diz «têm aqui um excelente trabalho…» enquanto prescreve novos fármacos que continuam a mostrar-se ineficazes. O corpo político português é como este médico e ainda por cima está também doente. Afogado entre espessos processos de diagnóstico, não sabe como proceder. Parafraseando Aldous Huxley, apetece-me gritar: «é preciso fazer algo pelo descalabro da sociedade, sem esquecer os ameaçados de revolta súbita ou de degeneração lenta…».

Era evidente que não bastava alimentarmo-nos de ilusões à sombra dos fundos da CE, que fluíram como as folhas amarelecidas do Outono ao sabor do vendaval da efémera abundância. Vivíamos no tempo dos governos de Cavaco e Silva e do sofisma “o bom aluno” durante os quais não era necessário ter olhos e cabeça para arranjar dinheiro. Bastava mover as mãos no espaço definido pelo lugar geométrico do movimento do braço, para apanhar as notas que voavam ao sabor da gula do presente alheada do futuro. Há amargos de ventura que inibem a vontade, e a UE e o euro foram o privilégio de uma época cheia de vetustas lembranças, mas também a crisálida de um dos muitos sarcasmos com que a História presenteou Portugal. Não há dúvida de que o amor e o ódio não se dão no mesmo canteiro, tal qual a ganância e a sensatez, os que trabalham e os que descansam, os que gastam mais do que produzem e os que amealham para conseguir um pé-de-meia.

Os chineses inundaram os países ocidentais com matérias-primas e toda a espécie de mercadoria a preços imbatíveis, e as reservas de divisas da China estão recheadas de títulos do tesouro dos Estados Unidos, enquanto a Índia e o Brasil espreitam a sua oportunidade. As Infra-Estruturas Tecnológicas não passaram de utópicas tentativas de modernização e inovação da indústria portuguesa que continua a ter medo de se envolver com o saber universitário no domínio da concepção de novos produtos e da inovação dos meios de produção, fugindo cada vez mais para a área dos bens não transaccionáveis. A mão-de-obra portuguesa é cara em relação à respectiva produtividade e os políticos encenam constantemente thrillers acerca do que mais lhe convém. José Sócrates aborda a China, Timor e Brasil, mas o mercado de capitais, tal como qualquer bom predador, vai encurralando a presa à espera do momento para desferir o golpe final, enquanto o comércio fica inanimado de medo. As leis saem avulsas, acentuando os desequilíbrios estruturais e o computador não é a panaceia capaz de substituir as capacidades intelectuais e de laboração, mesmo tendo em conta a fábrica do futuro inteiramente robotizada.

Onde está o ensino que permite aprender a interpretar um texto em toda a sua dimensão, a colocar um problema em equação, a saber executar uma experiência numa bancada de trabalho ou a saber manusear um torno que fará um centro de maquinagem? As novas gerações saem das universidades e vegetam em casa dos pais à espera do primeiro emprego que tarda em chegar e, quando este aparece para além de x quilómetros, rejeitam a oportunidade, enquanto admiram o BMW que surgiu estacionado perto da esquina da modorra. A via política começou há muito a ser uma saída e as juventudes partidárias transformaram-se em alforges de pretensões a uma vida melhor, disfarçada de arreganhos. Os programas de audiência são os royalty shows, as telenovelas e os que tratam de futebol. É preciso alienar o espírito, mas “O Plano Inclinado” vai assertivamente mostrando o caminho do futuro. Todavia, nem mesmo assim os partidos e os políticos despertam para a realidade. Continuam mais preocupados em subir uns degraus da escada do poder do que trabalhar no âmbito do concerto da terapia.