segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

REVERSÃO SENTIMENTAL

Paulo Rebêlo
(www.rebelo.org)


Enquanto muitos sonham (ou sonharam) com a pílula do esquecimento, talvez uma descoberta menos desastrosa seja a pílula da reversão sentimental. Este comprimido, de composição simples e atuação ainda mais simples, resolveria a clássica de “joão ama maria, que ama roberto, que ama flávia, que ama joão”.

É que pessoas tendem a amar quem não as ama de volta. A estupidez humana é incansável a ponto de não permitir que o tempo cure e você aprenda a dar uma chance a outras pessoas.

Outras pessoas que lhe amam.

Enquanto você esteve fechado em seu casulo de frustração, outras pessoas passaram pela sua vida, lhe amaram, se jogaram na frente de um caminhão por você.

E você não fez nada. A pílula da reversão sentimental curaria a sociedade desse mal. Com ela, você iria transferir todo aquele sentimento para uma dessas pessoas que tentaram preencher o vazio e não conseguiram.

Um comprimido e, dia após dia, você passaria a olhar quem lhe ama com outros olhos. Para, enfim, entender que não há explicação para que ela lhe entenda tão bem, para que ela consiga saber exatamente o que você está pensando, como está o seu humor, conhecendo você melhor do que ninguém – apenas pela sua expressão facial, pelo brilho dos seus olhos ou pela entonação da voz.

Bastaria pouco tempo de tratamento para aprender a amá-la e esquecer que, um dia, você amou outra pessoa de um jeito tão intenso que o fez virar uma concha. A pílula da reversão sentimental duraria bem mais tempo do que a pílula do esquecimento, seria muito mais eficaz.

Mas, no fim, o caos iria imperar de novo. Seria outro desastre.

Um dia, você ia achar que não precisa mais do comprimido e vai parar de tomá-lo. Aí vai querer uma pílula do esquecimento. Como não existe, você vai querer voltar no tempo.

Como o tempo não volta...

E é durante esta busca incessante por soluções que a maioria das pessoas comete o mesmo erro: esquece que não é apenas o ontem que não volta. O hoje, também não. E se o hoje passa em branco, qual é o sentido de esperar um amanhã?

Ninguém sabe, mas continua buscando até desistir.