terça-feira, 7 de dezembro de 2010

TRÂNSITO PARA A MORTE

Frei Betto


Comemora-se no domingo, 21 de novembro, o Dia Mundial em Memória das Vítimas de Trânsito. No Brasil, a violência automotorizada ceifa, por ano, 37.000 vidas, e causa lesões em outras 120 mil pessoas, a maioria condenada à invalidez (dados IPEA/DENATRAN/ANTP).

Os gastos com vítimas de acidentes de trânsito somam, por ano, R$ 34 bilhões (resgate, tratamento, perdas de produção e materiais etc). Isso equivale a mais da metade de todo o orçamento anual do Ministério da Saúde.

O Brasil ocupa, hoje, a 5ª posição mundial em quantidade absoluta de fatalidades no trânsito, depois da Índia, China, EUA e Rússia. Conforme pesquisa divulgada pelo IBGE este ano, em diversos estados brasileiros o trânsito já mata mais do que a violência interpessoal.

Se sérias providências não forem tomadas, nos próximos quatro anos morrerão, em ruas e estradas do Brasil, mais 160 mil pessoas; e mais 720 mil serão hospitalizadas, o que representará um custo de R$ 136 bilhões ao país.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, morrem no mundo cerca de 1,2 milhão de pessoas, todos os anos, por causa da violência no trânsito. Ficam feridas e/ou inválidas mais de 20 milhões. A OMS informa que, a continuar nesse ritmo, as fatalidades em ruas e estradas passarão do 9º lugar (2004) para o 5º lugar (2030) entre os principais fatores de mortalidade no mundo, provocando cerca de 2,4 milhões de mortes ao ano.

Esse índice será devido, principalmente, ao crescimento dos acidentes em países em desenvolvimento, como a Índia, a China e o Brasil, e nos países pobres. É importante frisar que, na faixa etária de 15 a 29 anos, os acidentes no trânsito já são a primeira causa de mortes no mundo, à frente da Aids, da tuberculose e da violência.

Preocupada com esta catástrofe, a ONU declarou 2011-2020 a Década de Ação para a Segurança Viária, e o terceiro domingo de novembro como o Dia Mundial em Memória das Vítimas de Trânsito.

São seguros os veículos que trafegam Brasil afora? Na publicidade, todos são maravilhosos, aerodinâmicos, confortáveis. Tão impregnados de fetiche que nutrem o ego de seus donos e elevam a autoestima dos motoristas. Tornaram-se símbolos de status e, no caso dos mais caros e velozes, de poder (observe como certos motoristas avançam suas possantes máquinas sobre frágeis pedestres que atravessam a rua). Bilhões de pessoas, em todo o mundo, acompanham com interesse as corridas de Fórmula 1.

O veículo pode parecer quase perfeito, mas quem garante que, na hora H, os freios responderão com segurança e os airbags haverão de proteger os passageiros? Segundo Maria Inês Dolci, especialista em direito do consumidor, o Brasil começará, em breve, a adotar o Programa de Avaliação de Carros Novos (NCAP, na sigla em inglês).

Na Europa, o programa se iniciou em 1996. E já há iniciativas similares nos EUA, no Japão, na Austrália, na Coreia do Sul e na China. Consiste em promover testes de colisão dos veículos ocupados por manequins portadores de sensores que captam os efeitos das batidas. Câmeras de vídeo registram os movimentos e os detalhes das colisões sobre o veículo e os passageiros.

Espera-se que essas informações cheguem à mídia, de modo que os consumidores tenham conhecimento sobre a segurança e os riscos ao adquirir determinado veículo. Assim, o conceito de mais barato se modificará, afirma Maria Inês Dolci, porque economizar em segurança não é uma boa maneira de comprar qualquer produto ou serviço. Graças à lei sancionada pelo presidente Lula, a partir de 2014 os fabricantes de automóveis no Brasil oferecerão, como acessórios básicos e obrigatórios, airbags, freios ABS e proteção lateral nas portas.

Os veículos ficarão mais caros? Ora, no preço de cada um vêem embutidos quase 40% de impostos (IPI, ICMS, PIS, Cofins etc.). Donos de veículos pagam, anualmente, o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), o licenciamento e o seguro obrigatório. E muito dinheiro é arrecadado via multas de trânsito.

No Brasil, o preço dos carros é proporcionalmente bem mais caro que nos EUA e na Europa. Abatido o volume de impostos, eles poderiam ser mais seguros e baratos. O que seria compensado pela redução dos gastos do SUS com acidentados. Em outras palavras, o governo recolheria menos impostos mas, em compensação, gastaria menos com as consequências da insegurança no trânsito.

É preciso se somar a isso intensa campanha de educação no trânsito, reforçando o respeito à lei e à sinalização. É lamentável constatar a leniência do Judiciário com os assassinos do volante: permanecem impunes, continuam a portar carteiras de habilitação e a dirigir. A fiscalização é precária e, não raro, guardas e fiscais são facilmente corrompidos, sem que haja punição severa.

No caminho da vida, o trânsito para a morte é inevitável para todos nós. Melhor que não seja antecipado por irresponsabilidade do motorista, omissão do poder público e insegurança do veículo.


Frei Betto é escritor, autor de “Cartas da Prisão” (Agir), entre outros livros. http://www.freibetto.org/
- twitter:@freibetto


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