Jacinta Dantas
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Em noite fria, escuto o cheiro que recende da terra molhada, e com a terra reflito. Sinto saudade de mim na vida de outros tempos. Saudade de amigos que se foram. Ronda-me uma melancolia que me parece síndrome de final de agosto, com tempo nublado e sol acanhado, indisponível para aquecer-me no desconforto da solidão. Os pensamentos voam... voam longe. Distante 20 anos da jovem romântica e sonhadora de outrora, dos encontros que primavam pelo viver dignamente no tom da fraternidade e do abraço, estou, hoje, seguindo, como todos seguem, fazendo o caminho, construindo outros e novos sonhos em cenários diferentes. Vinte anos: são duzentos e quarenta meses, sete mil e trezentos dias num tempo que demarca o intervalo entre o que foi e o que virá a ser, um tempo que antecede a maior idade; tempo de mudanças que exige responsabilidade. Tempo que passa e se aproxima do tempo em que a prescrição pode ditar as regras do que foi e do que poderia ter sido. E, revivo no tempo que agora chove, as tão sonhadas conquistas num tempo de vislumbradas mudanças apontadas pelo brilho da esperança na década que visualiza coragem, despojamento e busca. Década de 1980, do clamor por Diretas Já, de gente se encontrando como povo... Década que se encerra com ruas cheias de gente no adeus ao irmão querido que volta à terra forçado pelo tempo de outros que não queriam enxergar que entrávamos num novo tempo. Ah terra amada! Qual é o limite de tempo nessa passagem de volta ao seu encontro? O que fica de cada um? Por hora sei: O que tenho é o que vejo em você: a certeza de que sou nada e sou tudo. Sou cheiro, sou água, sou, também, terra molhada. Do todo, sou um pedaço, curtido pelo tempo que se renova e se recria. Sou Mulher, irmã da lua, feita de terra que me faz Ser. Sou corpo, morada do universo, morrendo e renascendo, e quando não mais for, ainda assim continuarei a ser em suas entranhas. E, eu, mistura da menina que fui com a mulher que sou, vejo-me imagem, perfume e leveza do barro e do sopro que me constitui. Faço-me Terra, enamorada do sol que se reluz molhada e se faz linda, fecunda, prenhe da imensidão em forma feminina, geradora de vidas vividas em seu seio, solo de lutas e disputas, ambição, servidão, Redenção. Terra querida, em você, Gaia mãe, percebo os frutos da luta de seus filhos ilustres que se misturam e agora se tornam terra. Uma semente que contribui para a fecundação e transformação de novos filhos que de você virão.
Obs: Imagem enviada pela autora (Foto de Ivone Ristchel)