Vladimir Souza Carvalho *
Revelo às pessoas, com quem converso, que devo ir a Buenos Aires. Depois, posso dar um pulo em Barcelona, como ir até Macau, sem perder de vista que, também, pretendo fazer um passeio a Tailândia. Colocando os quatro pontos numa fila, não se cuida de roteiro fácil de ser elaborado: Buenos Aires, na América do Sul; Barcelona, na Espanha, ou seja, na Europa; Macau e Tailândia, ambos no continente asiático. Em verdade, não vou fazer tais viagens. Quero apenas sorver o espanto de quem me ouve.
Explico: para ir até tais lugares, não preciso sair do Brasil, o que traz mais lenha para a fogueira, a arder com o combustível que já tinha sido anteriormente lançado. Em suma, confiro a minha palavra um ar de mistério, como se fosse uma personagem de romance do final do século dezenove, que, de posse de suas rendas, resolvesse tomar o navio (a expressão é colhida em Machado de Assis) para dar um passeio em Paris.
Acabo o mistério: Buenos Aires é uma cidade pernambucana. Barcelona e Macau são dois municípios do Rio Grande do Norte. Tailândia é município do Pará. Nada como um bom mistério resolvido com o arremate da explicação, depois de a dúvida ser suscitada. Nos meus votos, empregaria um verbo mais forte: atroar. Ou seja, depois de a dúvida ser atroada. Pedantismo puro, poderia, e, com razão, dizer o leitor que não me conhece. Mas, não é. Faz parte do jogo. Ou melhor, compõe o voto. Ou, aqui, integra o papo.
O Brasil não é, desta forma, só um país continental, nem tampouco exclusivamente tropical. É mais que isso: é internacional, extremamente internacional. A prova está na presença da capital da Argentina, de uma cidade das mais importantes da Espanha e de dois países asiáticos transformados em simples e humildes municípios brasileiros. Uma minuciosa pesquisa nos demais estados pode revelar a existência de outros exemplos, nos quais capitais e paises alienígenas foram rebaixados, entre nós, para municípios brasileiros. Rebaixados, não,peço desculpas e estampo o verbo correto: homenageados.
Não é sem razão que o campeonato sergipano do corrente ano foi ganho pelo... River Plate. Apresso-me a esclarecer: não é o River Plate da Argentina, em absoluto, que teria vindo, com sua superioridade técnica, disputar um campeonato em Sergipe. Em verdade, o campeão é do município de Cristinapolis, lugar onde se fala um bom e compreensível português, não se registrando nenhum habitante que utilize, no seu cotidiano, da língua de Cervantes.
Se há alguns nomes (volto a falar dos municípios) com conotação universal (v. g., Buenos Aires, Barcelona, Macau, Tailândia), há, também, homenagens dentro do território brasileiro a estados irmãos da Federação. Aqui em Pernambuco, por exemplo, temos Paulista. No Piauí, Paulistana. Ambos, a meu sentir, geram uma dúvida na elaboração do gentílico, se o nome já é um gentílico. Quem nasce em Paulista é paulistense? É. E o nascido em Paulistana é paulistaneiro? Não sei. Pela primeira vez, me vem à tona o problema do nomedo município representar um gentílico, que, em consequência, terá de parir (o verbo é forte, mas necessário) um gentílico específico. Confusão danada.
Em Sergipe, em tempos de antanho, tivemos um município com o nome de São Paulo. Foi alvo de piadas. A população local preferiu mudar de nome, trocando o santo pelo frade. É certo que o padrinho era mais fraco na hierarquia da igreja. Mas, era melhor que as anedotas de São Paulo moleque que o povo de Itabaiana bolou, segundo o folclorista Carvalho Déda.
Desconheço na história local de Buenos Aires, Barcelona, Macau e Tailândia, os motivos que ensejaram a adoção de tais nomes. Que deve existir, deve, não duvido. E, acrescento, para finalizar, a presença do povoado Guadalajara, de Paudalho, deste Estado de Pernambuco. Teria sido uma homenagem a cidade mexicana ligada a conquista pelo Brasil do Campeonato Mundial de 1970? Bom, peço licença para não responder, por um motivo simples: não sei a resposta.
* vladimirsc@trf5.jus.br
Publicado no Diario de Pernambuco