terça-feira, 2 de novembro de 2010

A LIBERDADE É SALMÃO. COM FEIJÃO.

 Paulo Rebêlo
(www.rebelo.org)


Se eu gosto de salmão e gosto de feijão, por que não posso misturar os dois no self-service e adicionar farofa e azeite, sem que todos da fila fiquem olhando para o meu prato? Ou para mim, como se fosse um selvagem recém-chegado da Guerra Soviético-Finlandesa.

Não é porque não sabemos cozinhar que não sabemos comer direito.

Você se sente um peixe fora d’água já na fila, quando todas as pessoas colocam folhas e outros matos florestais no prato e, no seu, tem apenas um enorme espaço em branco à espera do feijão e do macarrão. Misturados.

Quando eu era criança, alguém falou que feijão misturava com arroz, nunca com macarrão. Quando descobri que feijão e macarrão nasceram um para o outro no meu mundo gastronômico perfeito, adicionei vinagrete e alcancei o nirvana.

Se vou a um restaurante bacana, termino pagando caro para não comer aquilo que quero comer. Porque cozinheiro não é mais cozinheiro, agora é artista, celebridade, brodagem, personagem de revista grã-finagem. E ele não deixa a gente mexer na arte dele e misturar salmão com feijão. Tem que ser no vapor com legumes coloridinhos ou arroz com mato sem cachorro.

Não, eu quero meu salmão com feijão, posso pagar por isso e não posso comer isso. Não moro em Cuba.



Se você não come salada na rua, por que precisa esperar as 20 pessoas na fila do self-service escolherem entre 20 tipos de folhas e 30 tipos de molho, até chegar finalmente na parte que interessa?

Quando peço licença e sigo em direção à ala vazia dos pratos quentes, sou olhado como criminoso. Observe: a única fila que sempre engarrafa é a da salada. Geralmente, com todas aquelas gordinhas discutindo calorias, carboidratos e ômega-3, enquanto a gente espera pacientemente…

Nunca entendi direito a relação das pessoas com horários e comidas. A regra de não misturar feijão com macarrão é completamente sem lógica no interior de onde venho.

Mas, até mesmo por lá, as pessoas ainda se assustam quando acordo e pergunto se sobrou algo daquela galinha à cabidela (ao molho pardo) ou da feijoada com toucinho de ontem à noite. Para comer no café da manhã, claro. Se estava bom ontem, por que não estaria hoje de manhã?

E não foram poucos os rincões e fins-de-mundo onde dormi. Aparentemente, não é luxo ou frescura dessas pessoas, elas apenas foram programadas para não comer yakissoba requentado pela manhã e nunca tentaram se reprogramar.

Quando abro a geladeira no domingo de manhã, geralmente só tenho duas opções: yakissoba de ontem à noite ou pão líquido (cerveja).

Anos atrás, se eu escolhia a cerveja, alguma burguesinha que virou a noite lá em casa (porque perdeu a hora do metrô ou do último ônibus), ia me chamar de alcoólatra. Se escolhia o yakissoba ou a feijoada congelada, seria um neandertal.

Se não como nada, sou um grosso por não ter comida em casa para visitas, como se alguém a tivesse convidado.

Se abro um hot pocket (aqueles sanduíches congelados de supermercado para microondas), elas dizem que sou desleixado comigo mesmo e concluem que não tenho compromisso com nada. A começar por elas.

O que, de certo modo, neste ponto em específico, há até uma certa razão.

Então vamos precisar ter sempre iogurte light, café de verdade, pão com manteiga e sucrilhos kellog’s de manhã cedo para não passarmos por psicopatas glutões?

Acho que muita gente precisa de um regime. Um regime mental para queimar os excessos de neuras e regras sociais da gastronomia as quais, aposto, ninguém lembra de onde surgiram.

Minha comida é minha comida. E se tiver, como de colher.


Obs: Imagem enviada pelo autor.