Maria Clara Bingemer,
professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio
O brasileiro foi às urnas no território nacional e fora dele, maciçamente, após uma campanha tensa e que baixou muito o nível nos últimos momentos. É por isso e mais que nada que o segundo turno é algo positivo.
Positivo para quem? Podemos e devemos perguntar sem medo. Certamente alguns intransigentes de plantão discordarão. Prefeririam a vitória da candidata petista já no primeiro turno. Fim das agonias, das expectativas, vitória líquida, certa. Mas trata-se apenas da certeza da continuidade da política do presidente Lula, ou de crescer na democracia na qual ainda engatinhamos como nação?
Creio que, se é importante o primeiro ponto, o segundo não fica atrás. Certamente o Brasil fez um gesto simbólico colocando um operário na cadeira de presidente da República. Isso marcou nossa história para sempre. Nunca mais o país será o mesmo depois disso. Acresce o fato de a política econômica do operário-presidente ter surpreendido todos, a direita, a esquerda e o centro. E como se não bastasse, o país dos vira-latas com complexo de inferioridade, pedindo desculpas por existir, foi guindado à convivência com grandes potências, sendo a palavra de seu presidente respeitada e a nação olhada como uma das mais promissoras para o futuro da humanidade.
Quanto a este ponto, mesmo os que não gostam de Lula, que discordam de seu governo em um ou vários pontos, devem concordar. Hoje Brasil é palavra respeitada onde quer que se vá. Olham para nós com respeito e admiração. Esperam de nós sinalizações de futuro e liderança como nunca aconteceu.
Porém, uma vitória no primeiro turno para Dilma Rousseff não faria bem ao Brasil novo que hoje somos. Seria fácil demais, rápido demais. Fará bem a todos e a todas que acreditamos na democracia, no voto livre como expressão da vontade da maioria, ir outra vez às urnas e depurar nosso exercício cívico e democrático.
Para isso a entrada de Marina Silva no cenário eleitoral foi tão fundamental. Figura de alto coturno ético, comprometida com as lutas mais nobres de nosso país, da pobreza à ecologia, entrou na disputa com ínfima percentagem, menos de 10%. Mas cresceu, cresceu e encerrou a eleição com quase 20%. Porém, mais importante que tudo, introduziu um “terceiro” na equação da campanha que lhe deu mais qualidade, mais vibração e mais seriedade na disputa.
A medida do crescimento de Marina foi a medida pela qual a campanha se dinamizou, se abriu e não ficou restrita às brigas feias e de baixo nível dos dois candidatos que agora vão ao segundo turno. A frágil magreza do norte da candidata que é a cara do Brasil fez a diferença e levou a eleição ao segundo turno.
Ganhou a democracia, ganhou o povo brasileiro, que terá a oportunidade de pensar mais detida e profundamente sua escolha agora decisiva. Ganhamos todos os que apoiamos Marina. Saímos do primeiro turno dessa eleição orgulhosos de nossa candidata e esperançosos de vê-la em Brasília em outra futura eleição, oxalá não tão longínqua.
Há liturgias sagradas, onde o ser humano cultua a divindade em que crê através de gestos, símbolos, cantos e expressões corporais. E há liturgias seculares, nas quais o ser humano expressa suas atitudes cívicas, suas utopias, suas esperanças intra-históricas. A eleição é uma delas. Ao marcar na urna o número do candidato que escolhemos, estamos realizando e fazendo acontecer o ritual que, esperamos, dará o rumo que desejamos à história e criará fatos políticos compatíveis com nossas crenças e esperanças.
Ao participar da imensa liturgia de 200 milhões de cidadãos neste domingo, introduzindo na urna nosso voto, reafirmamos uma vez mais nossa fé na democracia. O resultado que leva ao segundo turno reafirma e confirma essa fé. Uma vez mais, aqui vamos nós. É preciso celebrar a liberdade e participar, para que esse país cumpra seu destino histórico e ocupe seu lugar no mapa do mundo. Que venha o segundo turno!
Autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco). http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/
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