Djanira Silva
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Um dia ele voltará. Partiu para a liberdade, a sua liberdade. Então se foi sem me olhar, sem dizer adeus. Foi para não mais voltar. Passou no jardim por entre as flores.
Estive no jardim logo cedo onde cultivávamos roseiras. Não gosto delas, são agressivas, arranham-me, defendem-se.
Sempre que escuto o bater de uma porta, ou o ranger do portão penso que ele está de volta. Quase posso ver-lhe o corpo e a sombra, os passos firmes, atravessando o jardim. Quem quer partir encontra sempre uma saída. O jardim já não é o mesmo de quando ele estava aqui. As flores murcham antes do tempo. O mato toma conta dos canteiros feito a saudade de mim. Quando ele voltar como estaremos? Espero a volta de um sorriso iluminado saltando dos olhos a cada alvorecer. Espero em minhas mãos a maciez de sua ternura.
Ontem cortei as folhas da mussaendra. Flores e folhas invadiram a grade do jardim e os canteiros vizinhos. Não existe beleza nos excessos. Fecho os olhos, liberto-me dos pensamentos que me incomodam. O girassol me sorri com seu sorriso amarelo e me espia com seu olho enorme de fuxiqueiro. Senti vontade de pintar. Quero inventar uma rosa sem espinhos e com uma cor diferente em cada pétala. Ficará presa na tela, para sempre.
Quanto ele voltar estaremos à sua espera: eu, a minha criação, o cachorro filósofo que não tem inimigos. Não sabe falar nem pinta roseiras.
Naquela noite sonhei que estava no alto de uma montanha. De repente vi-me cercada por inúmeras roseiras armadas com espinhos enormes apontados para mim como se fossem canhões. Acordei quando ouvi a porta bater.
Cheguei!
Chegou. Nem acendeu a luz.
A voz atravessou a casa, atravessou o quarto, atravessou meu corpo.
Na sala as rosas presas na tela, sem perfume, sem espinhos.
Obs: Texto retiradp do livro da autora – A Morte Cega