Euza Noronha
Eram mais de onze horas quando uma antiga amiga me ligou. Chorosa. Indignada. Culpada. Acabara de descobrir a gravidez de sua filha de 14 anos. Um fato que, apesar de desestruturante em qualquer família, vem se tornando comum, infelizmente. Depois, já na cama, foi inevitável pensar em nós – eu e esta minha amiga – e em como vivemos a nossa adolescência.
Era um tempo em que a droga mais usada pelo brasileiro – de todas as idades – era a obediência. Era um povo na sua maioria calado. Porque “cala a boca” era expressão usada por pais, professores, maridos e militares - além do temível AI-5 pairando sobre a cabeça de todos nós. E a maioria calava sem sequer saber por que o fazia. Mas nós, uma boa parte dos jovens e adolescentes - sob a influência especialmente dos movimentos de protesto de jovens do mundo inteiro, da contracultura trazida pelo rock’n roll, MPB e o teatro de arena, através das leituras de Marcuse, Marx e outros - criamos outras expressões, tivemos outro comportamento. Desobedecer, questionar, transgredir e que tudo o mais vá pro inferno – este era nosso lema. (Algum tempo depois, descobri que Maiakóviski já dizia isso num poema: “Gente é pra brilhar / Que tudo mais vá pro inferno / Este é o meu slogan / E o do sol”)
Foi o tempo também das pílulas. Do LSD ao anticoncepcional. E não era difícil ter acesso a nenhuma delas, especialmente esta última. Mas apesar da liberação sexual das décadas de 60 e 70 e toda a nossa loucura em função de nossas ideologias, o índice de gravidez na adolescência foi proporcionalmente muito menor do que vemos hoje. Longe de mim querer ser uma especialista em comportamento familiar, mas tentando fazer um paralelo entre nós e os atuais adolescentes, fico pensando que a grande deficiência hoje está num vácuo inominado existente entre pais e filhos. Vácuo estabelecido, conscientemente ou não, por nós - aqueles adolescentes moderníssimos, questionadores, transgressores e engajados. Os mesmos que tiveram pais considerados retrógrados, repressores, castradores. Mas foi com estes pais que aprendemos os valores que nos sustentaram, até para que pudéssemos estar estabelecendo uma nova ordem. Porque para se mudar algo é preciso partir de algum ponto. E fico me perguntando: de que ponto partem hoje os adolescentes?
Parece que em alguma parte do caminho nós, os adolescentes daquele tempo, nos perdemos. A maioria de nós continua sendo cabeça pensante, engajada e indignada (embora questionável em relação à ação).
Mas e como pais? Destruímos o modelo e não soubemos colocar outro no lugar?