Djanira Silva
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Caminhos de rir e chorar, de dizer o que não se sente, o que não se foi ensinado a dizer, esconder o pensamento nas contradições. Marcha soldado! Anda! Pára!
Alma acesa na cegueira da noite. O medo encurta o tempo. Medo de quê, se não verei minha morte?
Nascer, bênção que não pedi, ato de força, imposição. Quantos dias me deram? Terei que consumir ou devolvê-los antes do toque de recolher?
Para encarar o lá de fora tenho que enfrentar o cá de dentro o meu avesso o que me incomoda o que domina as rédeas de um pensamento desgovernado, inquieto, enganoso, enganado, oculto, o contraditório. Circunstância ou invenção?
Mantenho os olhos fechados para entender mistérios.
Sei que se assim não fosse, assim não teria sido.
O mundo entrou-me pelos olhos. Violentou-me feito uma tempestade. E não me perguntem por que mergulhei no silêncio nem o que maculou o meu sorriso. Não posso sequer virar as costas para o que não quero ver, porque não sei até quando a verdade será. Preciso livrar-me dela.
A cada dia desconheço este corpo mergulhado na melancolia de seios vazios, na frieza de uma pele flácida, de ossos caquéticos. Procuro pelos caminhos, sementes de girassóis para jogá-las no chão e vê-las transformadas em estrelas. Sobre meu ventre já não se escrevem histórias. Recolho os fios soltos de outras vidas e com eles teço uma armadura onde mantenho a verdadeira, a sufocada a que ninguém conhece. A que vive mergulhada numa cisterna escura, impedida de sair e se mostrar, a que tem medo de ser magoada, a que se esconde em profundos abismos para que a outra possa viver e inventar histórias de faz de contas. Não temo ventos nem tempestades. Tenho medo da maldade que não me acredita, da dor que não tem consolo.
Há muito se foi a alma que poderia me ouvir. A que poderia ter sido e não foi, porque, se assim não fosse, assim não teria sido.
É preciso sorrir, salvar a melhor parte.
Portas de fogo e de gelo.
Preciso receber o que veio para ser feliz a que veio para falar e encontrou a palavra, a que veio para cantar e encontrou a canção.
A outra, a escondida, morrerá primeiro, desengonçada esperança verde, amadurecida na sombra.
Quem me fez mergulhar no escuro, foi o amigo, cruel e vingativo o que falava a verdade e me obrigava a viver. Prendeu-me no seu olhar retrovisor. Olhos confusos, um dizia sim o outro não. Um positivo o outro negativo. Como não transgredir? Assim, conheci o pecado, o perdão a mentira.
Tive a minha dor dividida, pesada, vendida, esquartejada.
Nem pude recolher meus restos mortais.
Obs: Texto retirado do livro da autora – A Morte Cega