terça-feira, 13 de julho de 2010

INCLUSÃO SOCIAL E DIREITO: POR UMA DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL



PARTE VI: DIREITOS HUMANOS
Tassos Lycurgo (*)
www.lycurgo.org


Para que a cidadania social e a subseqüente democracia sejam plenamente implementadas no Brasil, dois aspectos centrais têm de ser observados no que concerne à relação entre inclusão social e direitos humanos. Primeiro, faz-se essencial que haja uma reformulação da maneira pela qual predominantemente se abordam os direitos humanos e, segundo, é preciso que a postura diante da normatividade da Constituição seja definitivamente ampliada, para que se possa oferecer força normativa máxima aos direitos fundamentais e, conseqüentemente, aos direitos humanos constitucionais.

No que diz respeito à primeira questão, veja que há basicamente três formas distintas de se abordarem os direitos humanos, sendo a última delas a mais adequada para se atingir os fins que aqui são almejados. De acordo com uma primeira visão, direitos humanos são, na essência, indistinguíveis de direitos fundamentais, sendo a única diferença entre eles a relativa ao plano a que aludem, ou seja, caso se refira ao plano interno, prefere-se a denominação “direitos fundamentais”, ao passo que, caso a alusão seja ao plano internacional, a preferência se dará pela denominação “direitos humanos”. Embora a referida distinção não seja em si equivocada – pois, a Constituição da República segue tal orientação –, ela é eivada do vício da inutilidade para a promoção da inclusão social, já que trata apenas de aspecto técnico referente a nomenclaturas.

Uma segunda maneira de se entenderem os direitos humanos em oposição aos fundamentais recorre à idéia de que estes são os inerentes à condição humana, sendo, pois, indissociáveis da própria ontologia do homem, enquanto os fundamentais seriam os que, embora também atinentes ao ser humano, teriam fundamentação histórica, sendo, pois, frutos de conquistas gradativas decorrentes, principalmente, de lutas no campo social. A principal crítica que se pode fazer a essa postura é a de que ela desconhece a reformulação operacionalizada pelas teorias modernas do direito natural.

As teorias modernas do direito natural, diante do constrangimento intelectual de explicar com detalhes como direitos poderiam provir da condição de ser do homem, começaram a reformular as suas premissas básicas, oferecendo ao chamado direito natural fortes raízes históricas. Gradativamente, portanto, o direito natural passou a substituir o seu caráter ontológico pelo histórico, de forma que pensadores como Fuller (1969) e Dworkin (1978; 1986), por exemplo, chegam a apresentar idéias de sistemas jurídicos não positivistas, mas ainda longes da fundamentação que as correntes conservadoras do direito natural – tais como a de Cícero, Tomás de Aquino (Aquinas, 1993) ou mesmo Finnis (1980) – gostariam de oferecer.

A terceira forma de enfrentar a questão consiste na idéia de que os direitos humanos são espécies do gênero direitos fundamentais, mas com uma peculiaridade: são aqueles direitos fundamentais cujos titulares só podem ser os seres humanos. A grande vantagem que essa forma de diferenciação dos direitos humanos dos fundamentais traz para a efetivação da inclusão social é decorrente da idéia de que, em regra, os direitos fundamentais titularizáveis apenas por seres humanos são os direitos sociais, já que os individuais são quase sempre também titularizáveis por pessoas jurídicas. Como a inclusão social se faz com a promoção da efetividade dos direitos sociais, qualquer discurso em defesa dos direitos humanos passaria a ser entendido como uma manifestação em favor da cidadania social e, conseqüentemente, da democratização plena do Brasil, o que seria, pelo menos, um avanço nessa área.

Há ainda outros tantos desdobramentos mais benéficos nesse campo, tais como os defendidos por Piovesan (2007) ou Sarlet (2007), por exemplo, mas a análise pormenorizada de tais, embora de suma importância, fugiria do escopo deste artigo, exceto no que concerne a menção da revolução que já vem ocorrendo no constitucionalismo brasileiro, mas que precisa definitivamente estabelecer-se na comunidade jurídica nacional, qual seja, a que diz respeito à chamada ampliação da normatividade constitucional. O fato é que o §1º do art. 5º da Constituição da República estabelece que “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” e, mesmo assim, há um consenso entre os operadores do direito em negar tal aplicabilidade a direitos fundamentais, notadamente os humanos – ou seja, os sociais –, que são classificados como de eficácia limitada e princípio programático, na consagrada definição de José Afonso da Silva (1998).

É o caso, por exemplo, do art. 7º, I, da Constituição da República, que, caso fosse dada normatividade máxima aos direitos fundamentais, tal como preconiza o supramencionado §1º do art. 5º do mesmo diploma normativo, não haveria de se falar em eficácia limitada, mesmo na ausência de lei complementar disciplinadora de inciso concernente a direitos humanos, pois o direito e, por conseqüência, a Constituição, tal como em favor de que argumentam alguns – a exemplo de Alexy (1997) e Dworkin (1978), guardadas as naturais peculiaridades de cada pensamento –, deve ser abordado como um sistema principiológico, elemento determinante das políticas públicas – e não fragmentadamente, veementizando-se idiossincrasias provenientes de incisos que, se vistos isoladamente, tornam-se inábeis no delicado trato de direitos fundamentais.

Neste ponto, passar-se-á para a análise do último dos três caminhos que se consideraram como centrais para a efetivação máxima da cidadania plena no Brasil. Os dois primeiros caminhos, como se viu, consistiram na implementação de políticas públicas de incentivo à educação social e na imprescindibilidade de fomento de uma cultura política de respeito irrestrito aos direitos humanos. O último deles, sobre o que em seguida se passará a discorrer, diz respeito à necessidade de ampla promoção da justiça social, principalmente por meio da valorização da Justiça Laboral e do Ministério Público do Trabalho.


(*) Tassos Lycurgo é Professor Adjunto da UFRN e Advogado (OAB/RN); É Doutor em Estudos Educacionais – Lógica (UFRN), com pós-doutorado em Sociologia Jurídica (UFPB); Mestre em Filosofia Analítica (University of Sussex, Reino Unido); Graduado em Direito (URCA) e em Filosofia (UFRN). Atualmente, leciona as disciplinas Direito Processual do Trabalho e Elementos de Direito Autoral e Legislação Social na UFRN. Página Acadêmica: www.lycurgo.org

Obs: As referências bibliográficas se encontram na versão completa do artigo, disponível no site do autor.


Obs: A Parte VII será postada no próximo dia 20