Regina Carvalho
reginahcarvalho@hotmail.com
Para não me magoar
faz de tudo,
cava túneis,
constrói diques,
põe o casaco sobre a lama,
descobre passagens secretas,
adia setas,
salta de um precipício
e voa...
Tudo a toa,
me magoa.
Faz tudo para não me magoar,
omite,
deixa de emitir sinais,
acende vela para os ancestrais,
tilinta guizos no seu tronco oco
e soa...
delicadamente,
me magoa.
Me magoa para não me magoar.
Me magoa com sua pura ternura.
Me magoa com os gestos de candura.
Me magoa a prazo, para me poupar.
E quando eu penso que passou,
que ficou para sempre no tempo que voa,
surge sem rosto,
imemorial,
com sua figura inocente e boa,
e com sua gentileza crua,
ternamente me magoa.