terça-feira, 27 de julho de 2010

DEMOCRATIZAR A DEMOCRACIA



Marcelo Barros(*)
http://marcelobarros.zip.net/
(irmarcelobarros@uol.com.br)


Nestes dias, vários países latino-americanos e até de outros continentes recordam o ideal da libertação e da independência de seus povos. No dia 19, a Nicarágua celebrou o aniversário da vitória da revolução sandinista que libertou o país da ditadura de Somoza (1979). Em Cuba, 26 de julho lembra o dia do assalto dos revolucionários comandados pelo jovem Fidel Castro ao quartel de Moncada (1953). Foi o passo decisivo para a vitória da revolução popular. A cada ano, o povo celebra este aniversário como “o primeiro território livre das Américas”. No dia 28, o Peru recorda o dia de sua independência (1821). Uma marcha indígena reclama uma independência também social e econômica. O Paraguai se prepara para receber, nos próximos dias, o Fórum Social das Américas. Isso só é possível porque, depois de séculos de dominação, o país elegeu um governo mais democrático. Na Venezuela, o povo terá outra eleição democrática. Será a 12ª, ocorrida sob a liderança do presidente Hugo Chávez. As agências internacionais de notícia, apesar de detestarem o governo bolivariano, têm de reconhecer que são eleições honestas, democráticas e justas. No Brasil, onde os principais jornais e meios de comunicação continuam a fazer campanha contra o presidente da República, este obtém aprovação de mais de 80% da população.

Hoje, o mundo se debate em uma crise social, econômica e ecológica. Esta revela o fracasso do sistema social e político internacional, profundamente desumano com os trabalhadores e com a grande massa dos pobres. Enquanto isso, na América Latina, organizações indígenas, movimentos de trabalhadores rurais e populações de periferia urbana têm fortalecido um novo processo social e político. Elegeram governantes populares e votaram em novas Constituições, que garantem direitos de cidadania para todos.

Ainda há um longo caminho a percorrer, mas, é profundamente esperançoso ver a ONU declarar a Venezuela um país livre do analfabetismo. Há apenas dez anos, mais de 50% do povo venezuelano era analfabeto e a pobreza atingia mais de 90% da população. Hoje, a reforma agrária e as novas leis trabalhistas garantem trabalho e renda mais digna para a maioria. Na mesma linha, pela primeira vez, o povo da Bolívia elege um índio como presidente.

Há poucos meses, ele foi reeleito com mais de 70% de aprovação. E acaba de receber um prêmio internacional da UNESCO pelo seu plano de alfabetização de adultos e sua política de inclusão dos povos indígenas no destino do país. No Brasil, apesar da senadora do Tocantins declarar que é normal trabalhadores rurais ser escravizados por grandes fazendeiros, o governo brasileiro continua lutando para acabar com a escravidão no campo.

Não há como negar: em meio a contradições e muitas dificuldades, em todo o continente, florescem novos movimentos sociais e políticos. Eles não se baseiam em partidos e não se classificam nos moldes dos velhos padrões socialistas. Inspiram-se nas culturas indígenas e buscam como critério “o bom viver”, ideal que as civilizações andinas propõem para todas as pessoas e até na relação com todos os seres vivos. Os governos todos são eleitos e respeitam eleições democráticas e o sistema parlamentar. Entretanto, ao lado da democracia representativa, aprofundam o direito constitucional das comunidades e organizações populares participarem mais das decisões sociais e políticas. É a “democracia participativa” que assegura o direito do povo destituir qualquer deputado ou governante, mesmo no meio de um mandato, se este não cumprir o compromisso assumido com seus eleitores. Neste começo de campanha eleitoral, é bom os candidatos saberem disso: cada vez mais, também no Brasil, os eleitores terão, cada vez, mais direito de intervir nos destinos do país e do Estado. Mesmo se as instâncias do Judiciário ainda aceitarem candidaturas menos limpas, cada vez mais a consciência do povo rejeitará candidatos acusados de corrupção. A lei da ficha limpa veio para ficar. Além disso, o antigo Código de Graciano, lei das Igrejas cristãs nos primeiros séculos já ensinava: “Tudo o que diz respeito a todos, deve ser, por direito, decidido por todos”.


(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.