O LOUVOR DO POVO À MÃE DE CRISTO
Sebastião Heber
shvc50@gmail.com
Tendo passado por Recife, onde participai de um Seminário de História Oral,na UFPE, promovido pela sociedade que tem o mesmo título, aproveitei para visitar uma paróquia do interior, na ainda Zona da Mata. É a cidade de Glória do Goitá. Lá o pároco, João Ribeiro, é um ex-aluno meu e que é muito atuante. Atualmente faz mestrado de Ciências da Religião na Universidade Católica de PE ( UNICAPE) e seu tema é sobre os Maracatus que povoam aquele mundo rural – é o Maracatu de Lança, ou de Caboclo ou de Baque-Solto, pois há o urbano, chamado de Baque Virado.Nessa pesquisa ele quer encontrar os resquícios do religioso, seja de matriz afra, sejam os elementos católicos, miscigenados, sincretizados, negociados ( Denys Cuche chama essas misturas de “plasticizadas”).
Na igreja Matriz, no 1º de maio, pela manhã, vários grupos de representantes das comunidades rurais se reuniram para preparar o mês de maio. E isso foi feito com uma grande idéia. Cada grupo trouxe os cânticos que conhecia, das avós, bisavós e que as novas gerações já não conservam. Que riqueza de expressões: a singeleza ingênua, pura, do povo, num louvor que exprime a alma religiosa. Sugeri até que tudo fosse gravado para que o registro ficasse mais completo. Há ainda o costume de ser erguida a bandeira da festa que será deposta no final do mês. E descobri, para surpresa minha, que há o costume, nas comunidades do interior, de cada dia as flores usadas serem recolhidas e conservadas para serem queimadas no último dia de maio. E não fazem a coroação, que é mais pertinente às igrejas matrizes, isto é, da sede.
E assim o povo vai rezando o seu mês de maio, tecido de cânticos, louvores e, sobretudo do terço que tem uma origem muito antiga. Remonta aos anacoretas orientais que usavam pedrinhas para contar suas orações vocais. Em 1328, segundo a narração cristã, Nossa Senhora apareceu a S. Domingos, recomendando-lhe a reza do rosário, que são 150 ave marias – o terço corresponde a 50 invocações, isto é, a1/3 do rosário. Dessa forma, nasceu essa devoção, difundida pelos dominicanos e que significa uma coroa de rosas espirituais oferecidas à Mãe de Cristo. O Papa dominicano, Pio V, em pleno Renascimento, animou vivamente essa prática, que, em breve, se tornou a oração predileta da cristandade.Essa devoção tem o privilégio de ter sido recomendada nas aparições de Maria em Lourdes, na França, a partir de 11 de fevereiro de 1858, assim como em Fátima, em 13 de maio de 1917, onde ela pede aos pastorzinhos:”Meus filhos, rezem o terço todos os dias”.
O culto a Maria começou cedo na abordagem cristã. As poucas vezes que os evangelhos falam nela, é de forma paradigmática. O anúncio do Anjo lhe dá o título da principal oração na qual é sempre saudada:”Ave Maria”. Depois vem o elogio e espanto de Isabel, a mãe de João Batista. A própria Maria responde com o célebre Magníficat :”Doravante todas as gerações me chamarão bem-aventurada”. É importante ressaltar que o próprio Lutero tem um sermão sobre o Magnificat, demonstrado uma devoção respeitosa à Mãe de Cristo. Na tradição do cristianismo latino as expressões são claras.
Mas na tradição do cristianismo oriental, os ritos bizantino-ortodoxos, eles contêm uma profunda visão teológica que passou para o povo através dos famosos ícones, aquelas pinturas em tela ou madeira, que na oração doméstica, queriam ser sinal da presença da Divina Liturgia. E lá Maria tem vários títulos: é a Theotokos, isto é, a Mãe de Deus. Ela está sempre acompanhada do Filho, para mostrar a precedência dele – ela só é “cheia de graças” por causa dele. Também outro título bem espalhado é o de Hodighitria, isto é, ela é “aquela que mostra o caminho”. Ela porta seu Filho sobre o braço esquerdo e aponta com o direito para Ele. Há sempre essa centralidade teológica no Cristo. Ele é apresentado pela Mãe como o Pantocrator, isto é, aquele que todo o poder na mão, poder no sentido de centralidade, pois não é um simples bebê, mas o Filho de Deus prometido. E outro ícone famoso de Maria, nessa tradição, é o da Virgem Eléousa, conhecida como a Virgem da Ternura. Lá Maria toca seu rosto no rosto do Filho querendo significar a expressão maior do amor humano e maternal. Quer ser a imagem do próprio Deus que é Pai e Mãe de todos. Esse tipo de ícone é bem conhecido e difundido na Rússia, onde se tornou célebre o da cidade de Vladimir.Há toda uma trajetória para esse ícone.Em 1136 é transportado de Constantinopla a Vysgorod ( perto de Kiev, capital da antiga Rússia). Em 1155 foi levada à cidade de Vladimir. É considerado o ícone mais belo e mais querido dos russos. Depois de 1395 ficou na Catedral da assunção no Kremlin. A partir de 1930 está num museu, isto é , na Galeria Tretiakov, onde é visitada por milhares de fiéis e turistas.
Sebastião Heber. Prof. adjunto de antropologia da UNEB, da Faculdade 2 de Julho. Membro do Instituto Geográfico e Histórico da BA e da Academia Mater Salvatoris.