Marcelo Barros (*)
(irmarcelobarros@uol.com.br)
Em uma sociedade que não é mais movida por preceitos religiosos e, cada dia, é chamada a assumir o seu caráter leigo e multicultural, as celebrações pascais de cada ano parecem ser ainda resquício da velha cristandade que sobrevive nas procissões da Semana Santa e nos rituais de quem freqüenta as Igrejas. Muita gente aproveita o final de semana prolongado para viajar e curtir férias, nas margens de algum rio, em casas de parentes, ou em alguma cidade mais bucólica.
No hemisfério norte, o frio dá lugar ao verde da primavera . No sertão nordestino, as primeiras chuvas garantem uma boa estação. No Centro-oeste, a paisagem verde ameniza o calor úmido do verão. E a primeira lua cheia desta nova estação nos lembra que é a Páscoa. Em hebraico, o termo significa passagem ou salto da natureza, celebrada desde tempos imemoriais. Apesar de que os rituais indígenas de cura da Terra Mãe e, no Candomblé, a festa das águas de Oxalá, ritos da primavera do hemisfério sul, se dão em setembro, somos chamados já a valorizar ecológica e humanamente a celebração de uma Páscoa nova e universal.
Nas comunidades judaicas, a festa pascal recorda que a vocação de todo ser humano é ser livre. O chamado divino é sempre libertador, no plano social e no nível interior e íntimo de cada pessoa. Só existe Páscoa se entrarmos sempre de novo em um processo de libertação pessoal e social. Neste sentido, as conquistas sociais e os novos modelos políticos que se iniciam em vários países da América Latina, (Bolívia, Equador, Venezuela e agora Uruguai), embora ainda incipientes e contraditórios, não deixam de ser sinais de que a Páscoa é atual. No Brasil, este ano de eleições, não deixa de ser para nós, brasileiros, ocasião de exigir dos/as candidatos/as que pedem nossos votos, garantias mais profundas de que se manterão as conquistas feitas no sentido de um Brasil mais justo, mas também o compromisso de passos novos, na direção de uma mais equitativa distribuição de renda, de uma reforma agrária justa e um desenvolvimento que não seja só econômico, mas eco-social e respeitador das águas e dos povos empobrecidos. Sem abolir a democracia representativa vigente, precisamos conquistar, quanto antes, instrumentos adequados de uma democracia participativa que nos permita controlar os eleitos e o exercício do poder que delegamos a eles, para nos representar e não para nos substituir. Só assim, celebraremos uma Páscoa nova na sociedade.
Para mim que sou cristão, a festa da Páscoa tem uma dimensão afetiva imensa e renovadora. Ela vem me estimular a abandonar todo acomodamento e “ressuscitar” com Jesus Cristo para um modo de viver novo. Refaz no coração a opção de retomar profundamente o que de melhor, mais humano e generoso existe em nós, assim como renova nossa capacidade de conviver com as pessoas e com a natureza como servidores e seres de comunhão e não como concorrentes e adversários na corrida da vida. A Campanha Ecumênica da Fraternidade 2010 nos chamou para colaborar na implantação concreta de uma economia solidária de partilha. Temos de encontrar criativamente instrumentos locais para isso.
Dietrich Bonhoeffer, teólogo luterano, assassinado pelos nazistas na Alemanha (1945), dizia: “O Cristo ressuscitado se manifesta vivo em forma de comunidade”. Isso nos recorda a figura de um monge russo (Serafim de Sarov) que viveu no século XIX, como eremita nas florestas. Vivia uma profunda comunhão com a natureza. Conversava com as feras, cantava com os pássaros e acariciava as árvores. De vez em quando, ao caminhar pela floresta, se encontrava com andarilhos e pessoas fugidas da sociedade. Ao vê-los, sempre se inclinava e depois de orar, dizia: “Ao ver você, irmão (irmã), vejo que de fato o Cristo ressuscitou!”. Nesta Páscoa nova, exercitemos este olhar divino com as pessoas com as quais convivemos e que encontrarmos no nosso caminho.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.