segunda-feira, 15 de março de 2010

DESCANSO CANSADO



Djanira Silva
djaniras@globo.com
http://blogdjanirasilva.blogspot.com/



Fui ao velório de um velho conhecido, conhecido velho. Algumas pessoas conversavam do lado de fora... Os cumprimentos e as conversas habituais nestas ocasiões: “a vida é assim mesmo, é o fim de todos nós, o jeito é se conformar”.
Por ser o falecido uma pessoa idosa, os parentes repetiam a cada aperto de mão: “coitado, descansou”. Pensei com os meus botões: “Será que o velho estava cansado, ou estavam cansados dele?”
O finado vivera bem vividos, seus idos oitenta anos. Enfim, ali estava cercado de velas, coroas – tanto de flores quanto de pelancas – pois o extinto além da viúva deixara outras ex-candidatas – muitos filhos, genros, noras, parentes e aderentes que nem eu, que ali estava aderindo a defunto alheio. De lágrimas, nem sinal. Vi uma ou outra perdida no rosto da viúva que de tão estragada pelo tempo, ou pelo velho, parecia sofrer por obrigação.
Enquanto esperava pela hora do enterro, pus-me a visitar os defuntos vizinhos. Fui parar diante do caixão de uma jovem senhora. Ali sim, ali o choro era muito. Alguns adolescentes, que julguem serem filhos da falecida, inconsoláveis desabavam pelos cantos: “meu Deus, o que vai ser da gente agora, como poderemos viver sem ela?”
Quanta diferença. Para o meu amigo que criara e educara tantos filhos, que dera o melhor de si pela família, nem uma lágrima, nem uma só demonstração de saudade, apenas a palavra fria, indiferente: “descansou”... Olhavam sim, com ansiedade para o relógio como se tivessem pressa de se livrarem o que restara dele. Depois de muito pensar, quase gritei: bingo! Havia encontrado a resposta: quando a gente é jovem um saco cheio. Isto mesmo, um saco cheio de conhecimentos, de sabedoria, de experiências, e na maioria dos casos, de algum dinheiro ou pelo menos de uma perspectiva de herança. À medida que criamos os filhos, dando-lhes amor, carinho, educação, experiências, enfim, tudo quanto temos de bom, o saco se esvazia.
Meu velho amigo, o que descansou, dera tudo quanto tinha. Agora, tinha mesmo era que descansar.
Ao passo que a outra, a jovem, a que não iria descansar nem morta, pregara uma peça nos filhos, fora-se sem dar nem metade do que eles esperavam. Daí, o pranto sem consolo, choravam o enterro de um saco cheio...
Acho que estou precisando descansar.


Obs: Texto retirado do livro da autora - A Maldição do Serviço Doméstico e outras maldições -