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Em Visita Pastoral em Flexeiras (Alagoas) em 1994, tive a oportunidade de conversar com uma religiosa das Irmãs de Santa Maria de Namur, que eu havia conseguido trazer de Sergipe para lá a fim de atenderem à pastoral, quando ainda não havia sacerdote residente. A Irmã era natural de Ruanda e me contou do trágico genocídio dos Tutsis em seu país, quando ela já estava no Brasil. Foram trucidados barbaramente seu pai e todos os seus irmãos e quase toda sua família.
Acontece que agora lendo a relação do recente Sínodo da Igreja da África, realizado no Vaticano na segunda metade de outubro passado, encontrei terrorizante depoimento da Irmã Geneviève Uwamariya, das mesmas Irmãs de Santa Maria de Namur de Flexeiras.
Disse a Irmã naquela Assembléia dos Bispos africanos: “Sou uma sobrevivente do genocídio dos Tutsis em Ruanda em 1994. Grande parte de minha família foi massacrada em nossa igreja paroquial. Ao ver essa igreja, sentia-me horrorizada, revoltada, e quando me encontrava com os presos, sentia repugnância e raiva. Até que um dia aconteceu uma coisa que mudou minha vida e meus sentimentos. No dia 27 de agosto de 1997, fui levada por um grupo da associação católica “Damas da Misericórdia Divina”, a visitar dois cárceres de Kibuye, minha cidade natal, para preparar os presos para o Jubileu do ano 2000.
Elas diziam: «Se mataste, pede perdão à vítima sobrevivente; deste modo, estarás ajudando-a a libertar-se do peso da vingança, do ódio e do rancor. Se és vítima, empenha-te em perdoar aquele que te ofendeu; assim, o ajudarás a libertar-se do peso de seu crime e do mal que leva consigo.»
Esta mensagem teve efeito extraordinário para mim. Um dos presos levantou-se e com os olhos cheios de lágrimas, caiu de joelhos aos meus pés, suplicando em voz alta: «Misericórdia! Misericórdia!» Era um amigo de minha família, que tinha crescido comigo. Confessou-me que havia matado meu pai e deu pormenores do assassinato de meus familiares. Um sentimento de piedade e de compaixão, acima das forças naturais, apoderou-se de mim: Ajudei-o a levantar-se, beijei-o e disse-lhe entre soluços: «Tu eras meu irmão e continuas a sê-lo!» Senti-me então aliviada de um grande peso. Recuperei a paz interior e agradeci àquele homem que ainda estava em meus braços. Com surpresa, ouvi-o gritar: «Agora a justiça pode até condenar-me à morte, porque me sinto livre!» A partir daquele momento, minha missão é percorrer quilômetros, levando a correspondência dos presos que pedem perdão às suas vítimas. Já entreguei 500 cartas e levo também a resposta dos sobreviventes, que se tornaram meus amigos e irmãos. Isso permitiu encontros entre os carnífices e suas vítimas. Gestos concretos selaram as reconciliações: os presos construíram uma aldeia para as viúvas e órfãos do genocídio. Em várias paróquias foram criadas associações de ex-prisioneiros com os sobreviventes e funcionam muito bem.
Dessa experiência, concluí que a reconciliação não é apenas reunir duas pessoas em conflito. As pessoas deve inserir-se no amor e deixar que ocorra a cura interior que permite a libertação recíproca.” E concluía a Ir. Geneviève no Sínodo da África: “Aqui reside a importância da Igreja em meu país: sua missão de oferecer a Palavra: uma palavra que cura, liberta e reconcilia.”
(*) É arcebispo emérito de Maceió.