terça-feira, 1 de dezembro de 2009

BOMBOM

Dannie Oliveira
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Encontrou-o na prateleira do banheiro. Só percebeu que estava lá quando caiu sobre o ralo da pia fumê. Era grande demais e senão fosse isso talvez tivesse descido pelo ralo e entupido a encanação, gerando um transtorno. A mulher pegou o pequeno objeto e segurou-o na palma da mão esquerda. Aproximou um pouco mais do rosto para vê-lo melhor. Não acreditou no que viu. Fazia anos que não via um daqueles. Quando foi a última vez? Aos 12 anos? Lembrou do avô. Tinha ganhado dele, numa das idas ao supermercado. Ele sempre lhe trazia algum. Conhecia o seu favorito.

Pousou-o ao lado da torneira e tentou dissipar a leve lembrança do velho. Às vezes a saudade apertava no peito e ela temia chorar. Precisava ser forte. Chorar era coisa de fraco. De gente que não sabia controlar as emoções. No fundo não sabia lidar bem com as partidas, ainda mais a do avô. Num impulso, pegou-o e jogou no lixo. Talvez as formigas adorassem encontrá-lo ali, abandonado.

Lavou o rosto. Desistiu de passar o creme seguinte, aquele para prevenir os sinais de manchas na pele, fator de proteção 100, com uma fórmula especial desenvolvida na China e que levava ervas raras na composição, que comprou naquela viagem a Londres.

Deparou-se com o marido na mesa. De pijama azul marinho com bolinhas amarelas tragava tranquilamente uma xícara de café, enquanto folheava uma edição do jornal local. Ele sorriu ao notá-la parada no corredor. Ela não expressou emoção alguma.

Disse que estava ‘linda’. Ela passou para o quarto e não deu muita bola. Ele levantou-se e foi ao seu encontro. Tomou o vestido que ela estava nas mãos. Colocou-o na cama, de forma suave para não amassá-lo. Abraçou-a. Ela ficou pouco tempo naquele abraço. No fundo não entendia porque estava nos braços dele e porque toda aquela receptividade no início de manhã. Ele deu-lhe um beijo na boca e agradeceu o mimo. Como ela adivinhara? De Laranja! Não se recordava de ter dito a ela que adorava aquele sabor. Ficou mais feliz em ver que era da mesma marca e se surpreendeu com o lote tão antigo. Chamou-a de ‘sensacional’ e a cobriu de beijos. Ela se esquivou da demonstração de carinho, alegando que precisava ir trabalhar. Ele a deixou sair, mas não se antes de agradecê-la mais uma vez.

Depois de toda a cena, decidiu ir ver como estava o filho. Já devia ter acordado, mas sempre insistia em ficar na cama. Cabia a ela puxar o cobertor, passar a mão nos seus cachinhos castanhos e pedir para levantar. Todo dia era a mesma rotina. Sentou-se na beira da cama, no entanto, percebeu que estava sobre algo. Ergueu a coberta e se espantou ao ver dezenas de pontinhos coloridos ao redor do corpo do filho. Ele acordou. O pequeno elevou-se um pouquinho e pendurou-se no pescoço da mãe. Tocou o pequeno narizinho no dela e a beijou em seguida. Ela sentiu cócegas. Deu um sorriso torto e discreto. Tomou-o nos braços e tirou da cama. Ele trouxe consigo a mão abarrotada das pequenas bolinhas azuis, vermelhas, verdes e amarelas. Somente quando o afastou do leito percebeu que o menino estava deitado sobre centenas delas. Algumas abertas. Sinais de que tinham sido devoradas na noite anterior. Ele agradeceu a ela quando a viu observando as embalagens vazias.


Encontrou a empregada na cozinha. Cantarolava feliz enquanto lavava os pratos do jantar. A mulher lhe ofereceu uma larga fileira de dentes. Mesmo não vendo a patroa expressar afinco, agradeceu pelos mimos sobre a pia. Ela tinha adivinhado. Menta era seu preferido. Nunca pensou que a mulher compenetrada se importasse com uma simples senhora que limpava a sua casa. Sentiu-se importante e valorizada.

Pegou a valise sobre a mesa da sala, a chave e o blazer. Algo caiu no chão. Viu o objeto vermelho próximo ao tapete persa, comprado na viagem a África. Cereja com canela. Juntou-o. Olhou atenta. Deixou-o sobre a bancada da televisão. Entrou no carro. Procurou pelo cd que tinha deixado sobre o painel no dia anterior. Não se recordava de que havia guardado. Sua memória não falhava. Era quase perfeita e ela precisava dela. Profissional, não poderia se dá ao capricho de esquecer algo. Cada idéia que brotava na sua cabeça era essencial, daí que tivesse poder de domínio sobre os devaneios.

Abriu o porta-luvas. Uma cascata de bombons lilás saiu lá de dentro. O chão da caminhonete ficou tomado. Ignorou. Iria no silêncio para o escritório. Que brincadeira de mau gosto. Quem estaria fazendo aquilo? Prometeu que iria achar o culpado e puni-lo. Ninguém tinha o direito de brincar com suas lembranças, fazendo rememorar suas guloseimas preferidas, como aquela de jabuticaba.

Por pouco não bateu em outro veículo no estacionamento. Estava irritada e coitado daquele que aparecesse primeiro na sua frente. No elevador, todos os ocupantes pareciam contentes de mais, mascando seus chicletes ou ainda apreciando o conteúdo daquelas embalagens variadas. Odiou a cena. Os sabores sortidos, os cheiros inebriaram o ambiente, aumentando seu furor.

Entrou muda no ambiente de trabalho. Seus funcionários já estavam acostumados. Ela não era de expressar afetos e quase sempre estava estressada. Alguns a tinham como uma pessoa amarga, só não entendiam porque, afinal tinha um bom marido e um filho lindo. Tudo parecia insignificante diante dos seus anseios e mesmo com uma carreira promissora, ela não parecia feliz. Não lembrava de longe uma pessoa alegre. Muitos dos empregados ignoraram a passagem dela. Estavam tão entretidos com os potes sobre as mesas, com suas guloseimas favoritas, que pouco se importaram se ela já estava ali.


Trancou-se no escritório. Ligou o computador. Abriu a cortina. Acomodou-se na cadeira. Fechou os olhos. Tentou abrandar a respiração. Ficou em silêncio. Não conseguiu apaziguar seus tormentos. Sentiu o aperto no peito crescer. A primeira lágrima brotou no canto do olho direito. Depois vieram outras. Chorou. Quanto tempo fazia que não fazia isso. Realmente as pessoas estavam certas, ela era dura demais, amarga demais, insensível demais. Por quê? Na correria por ser grande, acabou esquecendo-se de ser humana.


Obs: Imagens enviadas pela autora.