Djanira Silva
As pessoas simples, criadas sem ouvir mentiras nem propagandas de rádio e televisão, entendem as coisas ao pé da letra. Tive uma empregada nascida e criada como se costuma dizer, no mato, dona de uma simplicidade tão grande que dava até trabalho para a gente se entender com ela.
Certa vez cheguei do trabalho morrendo de fome, e perguntei:
- Quitéria, você fez o cuscuz que mandei?
- Fiz não senhora, esqueci.
- Eu estava na repartição sonhando com ele.
- Oxente, e a senhora tava lá drumindo?
De outra vez cheguei da granja com umas mudas de coqueiro anão. Ao descer da caminhonete recomendei:
- Coloque tudo embaixo da mesa do terraço com os olhos virados pra cima. Era tudo dentro de uma cesta grande e levou pra cozinha.
Sentada no terraço esperei que voltasse para buscar as outras. Passou um tempão e nada de Quitéria.
Vendo que ela não voltava fui ver o que estava acontecendo.
Fui encontrá-la, ajoelhada, os olhos virados para cima, tirando bem devagar as mudas de coqueiro de dentro da cesta e arrumando-os embaixo da mesa.
Tinha os olhos arregalados, virados para cima, e tentava encontrar o lugar certo para cada um:
- O que diabos você está fazendo, criatura?
- Oxente, dona, a senhora mandou botar os cocos com os olhos virados pra cima? Eu tô botando.
Obs: Texto retirado do livro da autora - Maldição do Serviço Doméstico e outras maldições.