Ina Melo
inamelo2004@ig.com.br
“Paris, cidade onde o amor,
está em todos os lugares, em
todos os sonhos,
esquecimentos e recordações.
Amo Paris com a força e a fúria
das tempestades”.
As luzes da aeronave piscam avisando que em breve estaremos aterizzando no Aeroporto Charles de Gaulle. Ouço vozes distantes: apertem os cintos. A temperatura está baixa e o tempo é bom.
Desperto lentamente. As brumas do pensamento vão se despedaçando. Assumo o meu lado mágico e aventureiro. Retorno a Paris, desta vez para realizar um sonho de três décadas: ver a passagem do século. Começa o desembarque. Levanto a gola do mantô e sigo para o terminal de bagagens. Olho e não vejo ninguém conhecido. Isto me agrada.
Deixo o passado para trás e fico a espreita do que acontecerá. O céu azul e um sol esplêndido cobre a manhã gelada. É assim nesta época do ano Apanho um táxi. Através dos vidros embaçados vejo a paisagem. Tento ordenar os pensamentos e traçar planos.
Hoje é dia de ajustar o fuso-horário, organizar agenda e outras coisas. O percurso é longo. A cidade está vestida para as festas de fim de ano. Muita gente nas ruas. Todos vieram passar o “Reveillon do Século" na mais bela e luminosa cidade-mulher do mundo, Paris!
Chego ao hotel. À minha espera, uma garrafa de champanhe dentro de uma cesta de rosas. Junto um cartão de boas vindas de uma amiga querida que partiu para a Provence. Acho bom. Prefiro Paris só para mim.
Vou rever a paisagem da minha paixão. Faço um brinde solitário ao sonho. Que bom poder realizá-lo! Agradeço a Deus mais esta dádiva. Vou almoçar no Ritz famoso restaurante preferido da eterna Coco Chanel, Hemingway e tantos outros artistas do passado. Depois caminharei pelos arcos do Louvre, onde deslumbrarei meus olhos pelas vitrines.
Aqui o tempo passa rápido. Roupas pesadas roubam à leveza da mulher. De repente chove. Um grande temporal lavando todos os pecados, derrubando árvores seculares, destruindo jardins. Que pena! Ainda assim, amo Paris, apesar da fúria das tempestades!
Revisito os museus. Assisto a um concerto em “Saint. Séverin”. Entro num Bistrô e degusto ostras com vinho branco. Volto para o hotel. O banho quente com sais perfumados refaz a mulher e a desperta para a vida. Terei uma noite solitária e feliz. Acordo cedo, abro as cortinas. O céu está azul, sinal de frio.
Na Biblioteca Nacional, François Mitterrand, lugar de reflexão e paz, reencontro com os luminosos espíritos do passado na exposição em homenagem a Marcel Proust, escritor que soube descrever tão bem os encantos de uma sociedade fútil, alegre e de amores fugidios. Amor e Paris estão sempre interligados.
No “Bateaux-Mouche” deslizando pelo Sena sob um sol frio de inverno, vejo passar a cidade e seus monumentos. A França agradece a loucura dos seus reis. Tudo aqui é monumental. A chuva continua a cair. Enfrento os ventos fortes e vou à “Montmartre.” Crepes e Sidra para aquecer o coração.
È tarde, estou gelada. Retorno ao apartamento, o silêncio é profundo. Volto a ser a mulher tropical coberta de sol o ano inteiro. Espumas mornas e champanhe. Banho que faz bem a libido do corpo e da alma. A música suave desperta em mim a saudade. A cama macia é um convite ao prazer. Que faço? Revivo amores de ontem e de hoje. Misturo-os com sonhos repletos de erotismo e reencontro a mulher apaixonada. Adormeço.
Eis que chega o grande dia. Desço para o café. Aprovo a imagem refletida no espelho. Estou ótima. Como se o amor de ontem tivesse sido real. É a felicidade comigo mesma. A cidade está feérica. Nunca vi tanta gente em Paris.
Vou à Notre Dame e faço a última prece do século. O silêncio da manhã é sepulcral. Acendo velas para homenagear os entes queridos que partiram e reencontro em pensamento os que ainda estão comigo. As pessoas flutuam pela imensa Nave num respeito admirável. A música sublime parece que vem dos céus. Dialogo com Deus. Agradeço a realização do sonho. O que é um sonho? Para que vale? Estou só, longe da família, dos amigos. Choro lágrimas de saudades, mas estou feliz.
Deixo a Igreja renovada. Enterrei os pecados e mágoas do passado. Entrarei no milênio leve e purificada com muito amor, sonhos e desejos a realizar. Vou ao “Champs Elysées,” onde o mundo todo passa. Hoje não estarei só. Encontrarei amigos, vamos almoçar no Bistrô Romano. Ficamos até tarde. A felicidade é leve e alegre como o vinho.
Eis que chega a grande noite. Partimos em direção ao “Champs de Mars.” Somos um grupo de brasileiros, alguns maduros, outros jovens, todos com o mesmo espírito de festa e alegria. Estou vestida de dourado para abraçar o novo ano. Infelizmente, o pesado mantô cobre todo o brilho do sonho. Botas altas me protegem do frio.
Cada um leva champanhe para festejar. Faremos um piquenique noturno às margens do Sena, junto à Torre Eiffel. Falta pouco para o novo porvir. É inesquecível para quem vivenciou tal aventura. Não só de turistas vive Paris. O francês também está nas ruas, com seus familiares e amigos.
E a festa continua. Abrimos à primeira garrafa. Brindamos à vida, ao amor e a loucura de estarmos em Paris. Sentimos falta da música. As orquestras estão nos “Champs Elysées.” Nós brasileiros somos musicais. Pequenos grupos cantam em diferentes idiomas. Nós também cantamos. São quase meia-noite! Com a taça de champanhe na mão, reflito sobre o sonho. Todos olham para o grande relógio esperando o encontro dos números que marcam os minutos e segundos para a chegada do novo século.
Os ponteiros juntam-se num abraço infinito. Fogos espocam no ar. A noite se ilumina, como se o sol também estivesse tomando parte da festa. Choro cascatas de lágrimas, leves e felizes. Erguemos as taças brindamos ao novo século O espetáculo é indescritível. Só um artista poderia externar toda a beleza do momento.
O mundo se abraça com fraternidade, esquecendo dores e mágoas, na esperança de um porvir melhor. Brindo aos meus queridos distantes. Que saudade do aconchego quente e carinhoso da família. Em compensação os amigos e o calor da multidão me aquecem. Champanhe com lágrimas, boa mistura de felicidade.
A festa continua. Estamos no século vinte e um. É tarde, chegamos atrasados para o jantar, o garçom mal humorado reclama. Nós rimos e fazemos de conta que não entendemos. O local está animadíssimo. Todos cantam, dançam e se embriagam. Estou feliz e agradecida. A viagem foi difícil e tumultuada, mas tudo aconteceu. Eu vi a passagem do século em Paris! Dezembro de 1999.
Obs: Imagem enviada pela autora.