Paulo Rebêlo
(www.rebelo.org)
Não gosto de usar paletó. Falando assim, parece o velho clichê de querer ser informal ou tentar reafirmar a condição de homem primitivo.
Mas é apenas uma aflição ideológica. Não sei o motivo, mas as pessoas costumam me tratar muito bem quando estou de paletó. E isso faz o nó da gravata apertar demais a minha garganta.
Sempre me questiono por que não recebo o mesmo tratamento de estranhos quando estou com minhas calças de pano e meu kichute genérico? É a mesma pessoa.
Não é uma aflição recente. Comecei a reparar na diferença quando, ainda bem jovem, ouvi de uma moça que nenhuma mulher resiste a homem de paletó. Não quis nem saber o motivo. Quase corri na loja mais próxima para comprar vinte paletós e quarenta gravatas.
Com o passar dos anos e por força eventual do ofício, percebi que não eram apenas as mulheres que me olhavam diferente.
Se as mulheres parecem olhar com mais interesse, os homens parecem falar com mais respeito, reverência ou medo. Às vezes é difícil diferenciar uma coisa da outra.
Dependendo do lugar e do momento, o paletó transforma-se na Matrix. Uma realidade paralela onde um simples terno e gravata ajuda não apenas a abrir portas, mas também pernas.
Na rua, ninguém sabe se você está de paletó porque é vendedor de seguros ou porque é uma pseudo-autoridade. Na dúvida, ninguém quer descobrir. Vai que ele é advogado? Deputado? Vai que é assessor do presidente? Não faz diferença. Se o cara está de paletó, deve ser doutor. Deve ser alguém importante. Deve ter dinheiro.
Na lanchonete, é como se o garçom tivesse a obrigação de servir um café de primeira, um almoço caprichado, um suco feito na hora. E sempre com um sorriso, doutor.
E o cara que está ali na minha frente, às vezes pagando mais caro do que eu, ninguém nem pergunta se ele gostou da comida ou se quer mais alguma coisa.
Na delegacia, os policiais tratam bem para disfarçar a raiva nessa quebra da hierarquia de poder. O problema é que funciona. Vá tentar resolver qualquer coisa de tênis e calça jeans e depois tente ir de paletó. Você nunca mais vai entrar numa delegacia sem o terno. Você vira uma autarquia andante.
À noite, no restaurante, é como se ninguém mais trabalhasse no planeta e apenas os homens de paletó fizessem o trabalho pesado. Só eles merecem mais atenção, merecem receber a carta de vinhos sem perguntar, merecem aquele aperto de mão do gerente. E na hora da conta ainda tem a disputa para ver quem entrega a dolorosa. Claro, porque um cara de paletó sempre pode deixar uma gorjeta melhor.
Fico me perguntando se talvez não seja um medo coletivo de que a gente – por estar usando um terno preto – dê voz de prisão a qualquer momento. Ou então somos gerentes do Banco do Brasil e podemos fazer uma ligação e lhe conceder um crédito a juro zero em duzentas prestações.
Resolvi abolir de vez a vestimenta quando, certa vez, uma outra moça disse que minha barriga ficava bem menor com o terno e gravata. Ou seja, não basta vestir a Matrix. Agora eu tinha virado parente do David Copperfield.
Dá o maior trabalho conservar essa pança e, de repente, por causa de uma mera ilusão de ótica, perde-se todo o sentido de coçar a barriga enquanto se toma um chopp. Não pode ser normal uma coisa assim.
Encostei a paletó no armário até criar teia de aranha.
Admito minha fraqueza e reconheço que, às vezes, faz falta. É comum me servirem café frio. Não me oferecem a carta de vinhos. A conta demora a chegar. Nenhum gerente quer ser meu amigo de infância. E, claro, encontro mais pernas fechadas do que abertas.
Não é fácil. Mas pelo menos ninguém se ilude por baixo dos panos.
Obs: Imagem do autor.