Padre Beto
Um jovem padre recebeu a incumbência de celebrar uma missa em uma penitenciária. Preocupado com a mensagem que deveria levar aos presos, procurou por várias semanas elaborar sua homilia. No dia marcado, o jovem padre entrou no salão e ficou incomodado com a atmosfera fria e formal do ambiente. Depois da leitura do Evangelho o jovem padre se dirigiu ao púlpito, de onde deveria fazer a homilia. Todos permaneciam em um silêncio profundo e acompanhavam os passos do padre. Quando já estava quase no púlpito o padre não percebeu um pequeno degrau e tropeçou rolando pelo chão. O auditório caiu em uma só risada. Rapidamente, o jovem padre levantou-se sentido algumas dores e muita vergonha. Posicionou-se no púlpito e iniciou sua homilia dizendo: “Exatamente por isso, rapazes, eu estou aqui: todo aquele que cai pode muito bem se levantar!”
Nietzsche imagina em sua filosofia o surgimento de um novo ser humano. Entre outras características, este novo homem deveria possuir a capacidade de fazer de qualquer situação da vida algo de criativo e prazeroso. Para isso, sua postura básica deveria ser a de uma “aceitação criativa”. O novo homem deve saber dizer sim à vida. De forma alguma, Nietzsche prega um comodismo diante das situações do cotidiano. Pelo contrário, para o filósofo a aceitação criativa constitui-se em um sim revolucionário diante da existência. Sem dúvida alguma, nós podemos simplesmente aceitar aquilo que a vida nos traz. A este tipo de aceitação, Nietzsche dá o nome de “sim do asno”. O asno também diz sim à vida, mas sua aceitação é sinônimo de conformismo e submissão. O asno carrega simplesmente o peso da vida. O novo homem diz ativamente “sim” para sua existência. Ele aceita os fatos com a intenção de fazer com que o “ser” venha a se transformar em um “tornar-se”. Para ele, uma situação não é simplesmente um fato, mas uma oportunidade para criar algo desejável ou surpreendentemente melhor. O dizer sim é um ato construtivo, transformador, provocador de uma metamorfose. Enquanto a aceitação submissa do asno mantém os fatos, a aceitação revolucionária do novo homem recria o universo. Aceitar para Nietzsche significa não fugir das situações, mas enfrentá-las, “mergulhando de cabeça” com toda a coragem de quem deseja interagir com os fatos, sejam eles bons ou ruins. “Não dê as costas a possíveis futuros antes de ter certeza de que não tem nada a aprender com eles” (Richard Bach).
A partir da aceitação criativa frente à vida, o novo homem pode, então, desenvolver três outras capacidades: dançar, rir e jogar. Quem, como o asno, aceita as circunstâncias simplesmente carregando-as, está fixado na vida como ela fatalmente se apresenta. Ele não possui a leveza necessária para movimentar-se diante das situações. O novo homem dança sobre as situações da vida. Mesmo diante das circunstâncias mais tristes e difíceis, o novo homem possui boas pernas para dançar. Nada é tão rígido e inflexível que não pode ser movimentado. O novo homem brinca com as situações livremente como uma criança. Ele dança sobre qualquer circunstância e elegantemente movimenta os fatos para a direção por ele desejada. “O grande homem é aquele que não perde o coração de criança” (Mêncio). Aquele que aceita a vida como um asno é resignado e no fundo triste. Mesmo diante da situação mais dramática, o novo homem não perde o sorriso. Pelo contrário, ele aprendeu a rir de si mesmo e do mundo. O novo homem percebe em todas as circunstâncias, sejam elas boas ou ruins, sementes de vida. Ele sabe que tudo passa e tem consciência que a vida é uma viagem. Nesta, o novo homem aprendeu a rir de si mesmo, pois a vida é muito importante para se perder na seriedade. “O bom humor tem algo de generoso: dá mais do que recebe” (Alain). Por fim, o novo homem compreende a vida como um jogo. Ele sabe jogar, principalmente diante do imprevisível, da surpresa. Ele nunca diz, “que pena”, “a vida é assim mesmo”, “não há o que fazer”. Ele é um jogador, gosta de jogar e joga bem. Ele não possui problemas, mas oportunidades para dar soluções. Para ele, qualquer situação, boa ou ruim, é uma oportunidade para agir e movimentar-se. “Seja lá o que você possa fazer, ou sonhe que pode, comece. A ousadia tem gênio, poder e magia dentro de si. Comece agora” (Goethe). Rindo, jogando e dançando, o novo homem cria e recria sua vida. Desta forma, este novo ser humano destrói o fatalismo. Nada é fatal, tudo é uma oportunidade para uma transformação. Ele tem consciência da constante metamorfose e efemeridade da existência e a manipula ativamente. “Se procurar bem, você acaba encontrando não a explicação (duvidosa) da vida, mas a poesia (inexplicável) da vida” (Carlos Drummond de Andrade).