Por Entre as Frestas
Maria Inez do Espírito Santo
Dificilmente eu poderia imaginar a possibilidade de considerar uma mesma coisa óbvia e ao sutil, simultaneamente. Mas é assim que defino o filme “Conversas com Meu Jardineiro”.
Sem dúvida trata-se de um roteiro aparentemente previsível. Mas, pensando agora, momentos depois de assisti-lo, eu diria que o enredo é tão fácil de prever como a seqüência natural da própria vida. É como se estivéssemos assistindo às cenas através da cerca de nosso jardim, ali, na casa do vizinho.
Aliás, é isso que o filme mostra: o tempo que passa, prenhe de possibilidades, mesmo quando tão limitado. Enfim, até aí tudo quase beirando o monótono e sem emoções extraordinárias. Diálogos de uma simplicidade quase tosca, não parecem necessitar de tão bons atores quanto são Daniel Auteuil e Jean Pierre Darroussin.
As locações também não se prodigalizam para chegar a extasiar ninguém. Afinal o campo é sempre belo para quem sabe olhar e, da cidade grande, o filme traz, tão somente, o cenário vulgar, detendo-se basicamente em cenas de interiores.
No entanto, quando se sai do cinema, muitas coisas que não foram ditas estão acordadas dentro da gente e, isso sim, é o que o faz muito especial.
Ouvir um homem dizer voluntariamente “a esposa” ao invés de “minha esposa”; ver outro refazer a horta da mãe morta, mesmo quando não pretende comer os produtos, ou replantar as roseiras que um dia foram símbolo para alguém amado; olhar o mar apenas, apenas olhar o mar; repetir a cada ano a mesma programação de lazer, sem precisar usar a novidade como aditivo para dar sentido ao passeio; parar o dia de trabalho no meio somente para dar uma boa notícia, mesmo a quem não se admira muito; reconhecer o olhar da morte e ir se “plantando”, pouco-a-pouco, num ensaio para a integração maior com a natureza são alguns dos sinais de um caminho que o filme traça com delicadeza capaz de conter a mais sutil das mensagens
Sob os pontos banais de um bordado comum, ressaltam matizes quase imperceptíveis, porém brilhantes, que vão desenhando, lentamente, aquilo que é essencial. Pois não é por acaso que o mesmo jardineiro que ensina que se deve ter sempre à mão uma faca e algum barbante para ocasiões difíceis, chama de emendar o movimento de duas pessoas em direção a reconstrução de uma relação amorosa.
“Conversas com Meu Jardineiro” é um convite a voltarmos o olhar para os detalhes mínimos. Talvez para que possamos soltar, todo dia, o peixe já pescado e vê-lo nadar, em liberdade, conservando sempre suas cores e forma mais belas em nossa lembrança, esse reservatório de sabedoria, continente das experiências já vividas.