domingo, 30 de outubro de 2011

PONTO, AFINAL


Djanira Silva


          Preciso pontuar minha vida antes e depois do nada. Entre os dois pontos e as reticências me crucifico. Coloco-me entre aspas e parênteses. A vírgula e o ponto e vírgula me perseguem.
          Calculo o tamanho dos meus passos para não cair nos abismos nem nas certezas. Tenho medo de dormir e acordar esquecida do que pensei, do que sonhei. Sempre esqueço. Nunca sei onde estão as coisas já pensadas. Foram ou não foram?
          O pensamento partido, multiplicado, inventa sonhos. Escrava dessa alquimia escrevo e vigio, caminho nas linhas, equilibro-me nos espaços. Seguro as palavras, domino-os, sufoco-as. Feito as crianças elas precisam de controle, de freio, dos castigos da pontuação.
          Um dia escrevi a história de uma menina que fugiu de casa sem parar entrou no mundo pela porta da frente e saiu pela de trás desceu subiu degraus e desapareceu nas curvas dos caminhos sem pontos sem vírgulas sem nada.
          Assim quero minha alma, alegre, fugidia, livre e ligeira, passando por todas as portas pulando todos os obstáculos, livre de pontuações.
          Preciso apenas dois sinais: atenção pare, siga ou de linhas paralelas, pare, olhe escute.
          Vírgula, indo e voltando.
          Ponto, afinal!


Obs: Texto retirado do livro da autora – A Morte Cega